As sociedades que exercem atividades imobiliárias e são optantes do lucro presumido vem enfrentando algumas controvérsias no diz respeito à tributação do resultado de venda imóveis, oriundos de reclassificação contábil, especificamente, quando estes tenham sido transferidos do Ativo Não-Circulante para o Circulante (estoque) da entidade.
As receitas decorrentes da venda de imóveis de empresas imobiliárias optantes da sistemática do lucro presumido, via de regra, sujeitam-se ao percentual de presunção de 8% e 12% para apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, conquanto, ficam afastadas dessas sistemáticas, as receitas de operações estranhas ao objeto social da empresa.
O Lucro Presumido tem previsão no artigo 25 da Lei 9.430/96, norma que além de especificar a tributação das receitas de operações por conta própria (inciso I), determina que a alienação de ativos não circulantes classificados como investimentos, imobilizado ou intangível, devem se submeter à apuração do ganho de capital (inciso II), tendo por base de cálculo a diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil do bem, situação que afasta a aplicação dos percentuais previstos no artigo 15 da Lei 9.249/95.
Diante desse arcabouço normativo, a interpretação geral dada pela RFB caminha no sentido de que, mesmo na hipótese de venda de imóvel por empresa que tenha como objeto social a comercialização de imóveis, o fato de o ativo ter integrado o “imobilizado” impede a aplicação dos percentuais de presunção de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL) para formação da base de cálculo do Lucro Presumido, sob o argumento de que trata-se de receita não operacional e deve ser apurada conforme o disposto no artigo 25, II da Lei 9.430/96.
É fato que, esse posicionamento atinge diretamente o livre exercício da atividade comercial do contribuinte, ao ponto que lhe é plenamente permitido mudar a destinação de seus ativos para consecução de seus objetivos comerciais, bem como de ser tributado em razão da atividade econômica que realiza.
Até pouco tempo, período anterior à publicação da Solução de Consulta RFB nº 07/2021, a venda de bens inicialmente destinados à locação, por serem considerados como ativo imobilizado por força de regras contábeis (CPC 27), tinha a apuração da base de cálculo sob a sistemática de ganho de capital, mesmo sendo a “comercialização de bens imóveis” a atividade principal da empresa.
No ano de 2021, mediante a Solução de Consulta nº 7, a RFB trouxe um ponto de pacificação e a estabilização desta controvérsia, passando a flexibilizar seu entendimento apenas nas hipóteses em que os bens imóveis vendidos tenham sido classificados no ativo não-circulante em razão do exercício da atividade de locação, sendo necessário que esta atividade constitua o objeto social da pessoa jurídica. Vejamos:
LUCRO PRESUMIDO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. VENDA DE IMÓVEIS. IMOBILIZADO. INVESTIMENTO. RECEITA BRUTA. GANHO DE CAPITAL.
Para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ, a receita bruta auferida por meio da exploração de atividade imobiliária relativa à compra e venda de imóveis próprios submete-se ao percentual de presunção de 8% (oito por cento).
Essa forma de tributação subsiste ainda que os imóveis vendidos tenham sido utilizados anteriormente para locação a terceiros, se essa atividade constituir objeto da pessoa jurídica, hipótese em que as receitas dela decorrente compõem o resultado operacional e a receita bruta da pessoa jurídica.
A receita decorrente da alienação de bens do ativo não circulante, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, deve ser objeto de apuração de ganho de capital que, por sua vez, deve ser acrescido à base de cálculo do IRPJ na hipótese em que essa atividade não constitui objeto pessoa jurídica, não compõe o resultado operacional da empresa nem a sua receita bruta.
Ao que se percebe, houve uma mudança parcial de entendimento apenas no tocante às empresas que realizem as duas atividades (venda e locação), todavia, fora desta hipótese, a discussão ainda vem gerando diversos conflitos entre o fisco e os contribuintes.
A exemplo, sabe-se que as sociedades imobiliárias muitas vezes adquirem propriedades sem que, necessariamente, exista, na oportunidade da aquisição, uma destinação imediata definida, fato que, diante do padrão contábil atual, não seria adequado sua classificação como estoque. O CPC (28), por exemplo, determina que elas podem ser consideradas investimento, sendo mantido para “valorização de capital”.
Seguindo a própria norma contábil (CPC 28), observa-se que havendo o início de desenvolvimento da propriedade com objetivo de venda, a entidade deve proceder com a mudança da classificação contábil, levando a propriedade de investimento para estoque.
Num caso como este, ante o entendimento trazido no trecho final da SC/RFB nº 7/2021, caso a sociedade proceda conforme os preceitos do CPC (28), a receita decorrente da venda do bem estará sujeita a tributação sob a sistemática de ganho de capital (inciso II, artigo 25 da Lei 9.430/96), mesmo estando a empresa atuando em fiel cumprimento ao seu objeto social, realizando a baixa do seu estoque e em correta observância do princípio contábil da primazia da substância sobre a forma.
Há um nítido desvirtuamento da norma trazida pelo artigo 25 da Lei 9.430/96 que, por sua vez, afasta, da tributação de bases presumidas (Lucro Presumido), apenas as receitas resultantes de operações que não se enquadrem no objeto social da empresa, hipótese que não ocorre no caso.
Observando uma das decisões do CARF, contrária ao entendimento da RFB, destaca-se trecho do acórdão nº 11030.722214/2012-41 (CARF – CSRF – 1ª TURMA), quando o relator afirma que “a não ser que se verifique que eventuais alterações contratuais sejam oportunistas de modo a inserir no objeto social do contribuinte, casuisticamente, operações de compra e venda de imóvel – o que não ocorreu nos presentes autos -, a reclassificação contábil (de Ativo Não Circulante para Estoques) e posterior revenda de imóveis em pessoas jurídicas que possuam entre as atividades contidas em seu objeto social “a compra e venda de imóveis” deve ser dado o tratamento de receita da atividade, nos termos do inciso I do art. 25 da Lei nº 9.430/96”
Enfim, da análise das normas jurídicas extraídas a partir do artigo 25, I e II, da Lei 9.430/96, não se constata qualquer comando que permita a desconsideração dos fatos registrados na contabilidade das sociedades, havendo, apenas, a atribuição correta do regime de apuração tributária para os bens integrantes do ativo não-circulante, não cabendo ao órgão fazendário a reclassificação, ressalvada as hipóteses de abuso de direito.