O Código Tributário Nacional, no seu art. 151, III, determina que reclamações e recursos suspendem a exigibilidade do crédito tributário. Com isso, há arraigada vertente defensora da imprescritibilidade de cobrança de tributo enquanto perdurarem julgamentos administrativos fiscais (seja a prescrição do direito de ação ou a prescrição intercorrente). Nesse sentido, sobreveio a Súmula n.º 153 do extinto Tribunal Federal de Recursos:
Tributário. Prazo prescricional. Prescrição. Crédito constituído através de auto de infração ou notificação.
“(…) o prazo prescricional, que, todavia, fica em suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos.”
Na mesma senda, o entendimento sumulado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Súmula 11 – CARF): “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”. Importa lembrar que a Súmula do CARF, a partir da Portaria MF 277/2018, adquiriu força vinculante, sendo de observância obrigatória por toda Administração Pública Federal.
Isto posto, e sendo o direito uma ciência dinâmica, há de se refletir sobre os conceitos firmados, contrapondo-os a institutos e entendimentos modernos de modo a observar se: a) há margem para repensar e evoluir as posições atuais ou, de modo contrário, b) se não é o caso de alteração dessa visão.
A discussão, de forma sintética, pode ser abordada sob dois enfoques: 1) O Princípio da Segurança Jurídica e 2) De acordo com o que dispõe o entendimento firmado Recurso Especial representativo de controvérsia n° 1.138.206/RS.
Sílvio de Salvo Venosa ensina que “o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Não ocorrendo isso, perde o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito”. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. v. 1. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 611.).
É precisamente na lição do solar doutrinador citado que situamos o Princípio da Segurança Jurídica, que unido aos princípios da duração razoável do processo e da razoabilidade, por si só, já justificam um pensar mais apurado e maturado quanto a ideia de imprescritibilidade, seja ela qual for, judicial ou administrativa.
Nesse caminho de ideias, é certo que no art. 24 da Lei 11.457/2007, está anotado o dever, da Administração Tributária Federal, de responder defesas ou recursos administrativos no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo dos procedimentos instaurados. Partindo dessa norma, o Recurso Especial representativo de controvérsia n° 1.138.206/RS chegou ao seguinte entendimento:
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
- A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis:
“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
- A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (…)
- O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto 70.235/72 – Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei 9.784/99, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte.
- Ad argumentandum tantum, dadas as peculiaridades da seara fiscal, quiçá fosse possível a aplicação analógica em matéria tributária, caberia incidir à espécie o próprio Decreto 70.235/72, cujo art. 7º, § 2º, mais se aproxima do thema judicandum, in verbis:
“Art. 7º (…).
- A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, e seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris:
“Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”
(…)
9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice.
Vê-se, assim, que o entendimento proferido no REsp. 1.138.206/RS delimita marco para o julgamento dos feitos administrativos. Dessa forma, é razoável defender, como ora se defende, que após o prazo de 360 dias sem efetiva decisão administrativa se inaugure a contagem do prazo de prescrição intercorrente.
Para o Professor Hugo de Brito Machado:
“É certo que o oferecimento da impugnação suspende a exigibilidade do crédito tributário, suspendendo também o curso da prescrição. Mas se o Fisco abandona o processo por mais de cinco anos (…) é o abandono do processo – que implica a indevida não-apreciação da impugnação – que enseja a demora na propositura da execução, sendo plenamente cabível falar-se, sim, em prescrição intercorrente.” (MACHADO, Hugo de Brito, in Temas de Direito tributário, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 85)
Isto posto, vê-se que a norma, os princípios constitucionais, a doutrina e a jurisprudência, todos em conjunto, delimitam balizas sólidas que são capazes de lapidar o atual entendimento da prescrição intercorrente nos procedimentos administrativos fiscais. Obviamente que a superação da posição de imprescritibilidade não pode evoluir para uma irresponsável prescrição intercorrente sem critério.
Contudo, sabendo que a demora no julgamento de feitos administrativos, que pode ser por simples desídia ou abandono, pode gerar ônus financeiros rigorosos, os mais nítidos aqueles decorrentes dos gravosos juros advindos do passar dos anos e as anotações contábeis dos riscos de eventual passivo.
Sabendo dos consectários acima citados, há premência de se revisitar o tema da prescrição intercorrente administrativa. Assim, a matéria merece ser reexaminada, estudada, discutida e evoluída, para a sociedade, para o direito e, sobretudo, para que os cidadãos tenham amparo jurídico, confiança, proteção e segurança em face da insegurança hoje encartada e emoldurada por visão ultrapassada, estanque e nociva.
Bruno Rocha Cesar Fernandes