O artigo 190 do Código de Processo Civil traz uma cláusula geral de negócios processuais, afirmando a possibilidade de que as partes, dentro de certos limites estabelecidos pela própria lei, celebrem negócios através dos quais dispõem de suas posições processuais.
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo, às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Desta forma, as partes podem celebrar negócios processuais assim entendidos acordos sobre questões procedimentais, com supervisão do juiz, sendo possível sempre que estas forem plenamente capazes e o direito objeto do processo for disponível.
A realização de negócios jurídicos processuais por parte da Fazenda Pública deve observar alguns limites, ou seja, além da necessidade de serem observados os requisitos dos negócios jurídicos em geral que devem ser devidamente adaptados ao processo, haveria a precisão de a Fazenda ter em conta os requisitos de validade exigidos para todo ato administrativo.
Necessário destacar que haja em cada procuradoria a regulamentação procedimental para a realização de negócios jurídicos processuais, que até o presente momento, somente a Advocacia Geral da União e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no âmbito federal, editaram portarias regulamentando os negócios jurídicos processuais, além das Procuradorias Gerais dos Estados do Rio de Janeiro, de Pernambuco, e, mais recentemente, de São Paulo no âmbito estadual. Não se tem conhecimento de normas dessa natureza nos Municípios.
A execução fiscal é a via adequada para a cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa, contudo, o fisco pode optar por dispor dessa via, como ocorre quando os entes federativos fixam limite quantitativo para ajuizamento de executivos fiscais, com base em análise de custo-benefício.
A Lei de Execução Fiscal, editada em 1980, buscou garantir maior efetividade para a cobrança do crédito público, em razão de sua primazia como valor a ser protegido, estabelecendo, conforme seu artigo 1º, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil às execuções fiscais.
Desta forma, o objetivo de se realizar negócios jurídicos processuais no âmbito da execução fiscal não é fazer com que a recuperação do crédito público inscrito em dívida ativa não seja mais efetivada pelo procedimento da Lei nº 6.830/80. Pelo contrário, o que se quer é que, por meio de modificações no procedimento da execução fiscal, a recuperação do crédito público se torne mais efetiva.
Conforme o Enunciado nº 256 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, a Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual. De igual modo, no Enunciado nº 9 do Fórum Nacional do Poder Público (FNPP), a cláusula geral de negócio processual é aplicável à execução fiscal.
Deste modo, o objetivo de utilizar os negócios jurídicos processuais no procedimento da execução fiscal, é fazer com que esse processo seja mais eficiente do que se mostra hoje. Deve-se ressaltar que, o uso dos negócios jurídicos processuais se mostra como um novo caminho apto a trazer um aumento na recuperação dos créditos públicos inscritos em dívida ativa.
Em 21 de dezembro de 2018, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publica portaria que estabelece os critérios para celebração de negócio jurídico processual em sede de execução fiscal, para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União.
Esta norma estabelece as regras para os acordos, que não envolverão desconto, apenas condições mais favoráveis para a quitação dos débitos, a depender do comportamento dos devedores. Conforme art. 190 do CPC, a norma determina que contratante e contratado podem estabelecer previamente como que um eventual litígio judicial será resolvido.
A Fazenda Nacional já vinha, desde junho de 2018 com a Portaria PGFN nº 360, “adotando uma iniciativa inovadora ao regulamentar a celebração de convenções processuais pelos seus representantes”, contudo, faltava apenas a regulamentação.
Mesmo antes da Portaria nº 360/2018, a PGFN já havia sinalizado, ao editar a Portaria nº 33/2018, estar disposta a celebrar acordos processuais com contribuintes para a recuperação dos débitos em tempo razoável ou a obtenção de garantias em dinheiro, inclusive mediante penhora de faturamento.
A Portaria nº 360/2018 ampliou, significativamente, as hipóteses de celebração de negócios jurídicos processuais nos processos tributários, consolidando a intenção exteriorizada pela Fazenda Nacional nos atos normativos de instaurar um ambiente de diálogo com os contribuintes.
Em agosto de 2018, outra portaria, de nº 515, já havia regulamentado a prática para casos em que a União é devedora. Já a Portaria de nº 742, aborda os débitos inscritos na dívida ativa da União e cobrados por meio judicial – execução fiscal -, que poderão ser parcelados.
Deste modo, fica claro os esforços do fisco em adotar um meio simplificado ao estabelecer o negócio jurídico processual em processos de execução fiscal para quitação dos débitos com condições mais favoráveis, ainda que sem qualquer desconto.
Normativo: CPC/2015, art. 190, parágrafo único; Lei nº 6.830/80; Portarias PGFN nº 360/2018, 742/2018 e 33/2018; CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Introdução ao estudo do direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017; ROSENBLATT, Paulo; MELO, Rodrigo Tenório Tavares de. O negócio jurídico processual como estratégia para a recuperação do crédito inscrito em dívida ativa: o plano de amortização de débitos fiscais. Direito Público: Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais. v.15. n.1. jan./dez., 2018; CARNEIRO, Júlia Silva Araújo. Possibilidade de negócio jurídico processual em matéria tributária: uma leitura da Portaria PGFN 360/18. In: ARAUJO, Juliana Furtado Costa; CONRADO, Paulo Cesar (org.). Inovações na cobrança do crédito tributário. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019; BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
Autora: Érica Ortolan