Segundo o Código Civil, uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária entre vivos ocorre com o registro do instrumento de compra e venda no Cartório de Imóveis (arts. 1. 227 e 1.245 do CC). Por consequência, somente com o registro do instrumento translativo efetua-se a transferência da propriedade do patrimônio do vendedor para o comprador, antes disso, o alienante continua sendo proprietário do bem (§1ª do art. 1.245 do CC).
Sabemos, porém, que esse ato de transmissão onerosa está sujeito ao pagamento de emolumentos, e do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, previsto no art. 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988, e disciplinado nos artigos 35 ao 42 do Código Tributário Nacional.
Para apurar o valor do ITBI, o art. 38 do CTN determina que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Mas, então, o que seria o valor venal do imóvel?
Essa definição gerou bastante debate entre o Fisco e os contribuintes ao longo dos anos, pois a expressão “valor venal” é utilizada como elemento tanto do fato gerador relativo ao ITBI, quando do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, ambos de competência dos Municípios.
Apesar disso, conforme dito anteriormente, o ITBI incide sobre a transferência onerosa “inter vivos” da propriedade imobiliária, ou seja, materializa-se a partir da mudança de titularidade do bem imóvel (aspecto dinâmico), ao passo que o IPTU possui como hipótese de incidência a manutenção da propriedade ao longo do tempo (aspecto estático), calculado a partir da planta genérica de valores estabelecidos por Lei local.
Com efeito, entende-se por valor venal do ITBI o preço do imóvel em condições normais de transmissões imobiliária, que pode ser influenciado por diversos fatores individualmente considerados, como por exemplo, a situação econômica do País, existência de benfeitorias, condições específicas dos contratantes, etc.
Nesse contexto, para determinar a base de cálculo do ITBI, leva-se em conta diversas circunstâncias fáticas que podem interferir no valor de mercado de cada imóvel, em que os termos decorrem, ou são integralmente de conhecimento das partes que entabularam o negócio.
Em virtude desse aspecto, em princípio, os Municípios não possuem elementos suficientes para realizar o lançamento de ofício do tributo, razão pela qual o valor venal para efeitos de ITBI deve ser o preço definido entre as partes por meio da declaração realizada pelo contribuinte, com ou sem antecipação do pagamento do tributo, isto é, lançamento por declaração ou homologação, a depender da Legislação Tributária Municipal.
Todavia, diversos Municípios vêm apurando a base de cálculo do ITBI sobre o valor venal relativo ao IPTU, sempre que o valor real da operação se revela inferior, ou fixando previamente valores de referência estabelecidos em pautas fiscais elaboradas unilateralmente, que na maioria das vezes são superiores ao praticado efetivamente entre as partes.
No Município de São Luís/MA, o art. 377 da Lei Municipal n° 6.289 de 28 de dezembro de 2017 (Código Tributário Municipal), dispõe da seguinte forma:
Art. 377. A base de cálculo do imposto é o valor de mercado dos bens ou direitos transmitidos.
§ 1º Na arrematação judicial e extrajudicial, na adjudicação e na remição de bem imóvel, a base de cálculo do imposto corresponderá ao valor pelo qual o bem foi arrematado, adjudicado ou remido.
§ 2º A impugnação do valor fixado como base de cálculo do imposto será endereçada à repartição municipal que efetuar o cálculo, acompanhada de laudo técnico de avaliação do imóvel ou direito transmitido.
§ 3º A fixação e a atualização dos valores de mercado dos imóveis serão de competência da Comissão Municipal Permanente de Avaliação, composta por profissionais ligados ao mercado imobiliário. Auditor Fiscal de Tributos e técnicos municipais, na forma que dispuser o Regulamento.
§ 4º O Prefeito Municipal, através de decreto, nomeará os membros da Comissão Municipal Permanente de Avaliação.
De acordo com o dispositivo mencionado, a base de cálculo do ITBI no Município de São Luís/MA será apurada de acordo com o “valor de mercado” previamente fixado e atualizado por Comissão Municipal Permanente de Avaliação, cabendo ao contribuinte realizar a impugnação administrativa, que deverá ser acompanhada de laudo de avaliação do imóvel, caso não concorde com valor arbitrado.
A Legislação Tributária Ludovicense, ao se utilizar de base de cálculo estabelecida automaticamente através de pauta elaborada pela Comissão Municipal Permanente de Avaliação, desconsidera por completo o valor real da operação imobiliária e a presunção de boa-fé do contribuinte, em total desrespeito ao disposto no art. 148 do CTN, que só autoriza o arbitramento do valor do imposto quando sejam omissos ou não mereçam fé as declarações do sujeito passivo.
Ocorre que, após diversas decisões favoráveis ao contribuinte, o Superior Tribunal de Justiça-STJ, fixou recentemente, com eficácia vinculante em sede de Tema Repetitivo n° 1.113, no RESP n° 1.937.821, as seguintes teses sobre o tema: “a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Ainda no julgamento do Tema Repetitivo n° 1.113, o Ministro Gurgel de Faria destacou que: “Nesse panorama, verifica-se que base de cálculo do ITBI é o valor venal em condições normais de mercado e, como esse valor não é absoluto, mas relativo, pode sofrer oscilações diante das peculiaridades de cada imóvel, do momento em que realizada a transação e da motivação dos negociantes.”.
Dessa forma, com base no Princípio da Boa-Fé Objetiva e Capacidade Contributiva, presume-se que o valor de mercado corresponde ao preço da transação informada pelas partes no negócio jurídico, que tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal, só podendo ser afastado pelo Fisco por meio de regular processo administrativo, oportunidade em que será assegurado o direito ao contraditório e ampla defesa, nas hipóteses expressamente previstas no art. 148 do CTN, inclusive, utilizando-se desses valores de referência, ou pautas, como parâmetro de controle e verificação da veracidade das transações realizadas no seu território.
Sendo assim, os contribuintes que pretendem adquirir imóveis ou efetuaram aquisições nos últimos cinco anos, devem ficar bastante atentos se o valor apurado como base de cálculo do ITBI corresponde ao valor real da transação realizado entre as partes, evitando, assim, o pagamento do tributo indevidamente, ou mesmo pleitear a restituição do pagamento efetuados em excesso ao Fisco.