1. A mineração de criptomoedas é o processo de validação, registro e armazenamento de informações no livro-razão público (“block-chain”) de determinados criptoativos.
2. Em geral, o processo de mineração produzirá uma quantidade predeterminada de moedas, que são entregues ao minerador como recompensa por disponibilizar seu poder computacional para validação de transações na rede. No caso do Bitcoin, por exemplo, a cada bloco minerado são criados 6,25 BTC, por sua vez, no Ethereum são criados 2 ETH por bloco minerado.
3. Atualmente, existe razoável dúvida acerca da tributação da atividade de mineração de criptomoedas, em razão da inexistência de posicionamento oficial da Receita Federal do Brasil sobre o tema.
4. O presente artigo pretende explorar um ponto específico dessa questão: o que caracteriza a habitualidade, na atividade de mineração de criptomoedas, para fins de equiparação da pessoa física à jurídica?
III. EQUIPARAÇÃO DA PESSOA FÍSICA À PESSOA JURÍDICA
5. Via de regra, a renda percebida por uma pessoa natural é tributada de acordo com as normas de tributação da pessoa física, enquanto a auferida pelas pessoas jurídicas é tributada conforme as regras a elas próprias. No entanto, a lei tributária estabeleceu ficção jurídica para que fossem tributadas na forma própria das pessoas jurídicas as pessoas físicas que desempenhem atividades econômicas sob certas condições.
6. Com efeito, a Lei nº 4.506/64, em seu art. 41, equiparou às pessoas jurídicas as empresas individuais, incluindo no conceito de empresa individual não apenas as “firmas individuais”, mas também as “pessoas naturais que exploram em nome individual qualquer atividade econômica, mediante venda a terceiros de bens ou serviços”.
7. O comando de equiparação em questão é a matriz legal do art. 162, § 1º, incisos I e II, do RIR/18. Tal norma determina, no que toca às pessoas físicas que exploram atividades econômicas, alguns requisitos para que a equiparação se opere, quais sejam: (a) prática habitual e profissional; (b) em nome próprio; (c) de operações de natureza civil ou comercial; (d) com o fim especulativo de lucro; e (e) mediante venda a terceiros de bens ou serviços.
9. Desta forma, havendo a exploração habitual, em nome próprio, de atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante a venda de bens ou serviços para terceiros, resta qualificada a existência de empresa individual para fins tributários, circunstância que força a equiparação das pessoas físicas às jurídicas.
10. Assim, caso cumprido os requisitos mencionados, a pessoa física que pratique os negócios mercantis por conta própria adquirirá a condição de empresa individual independente de qualquer requisito formal, ocorrendo neste caso, para efeitos tributários, equiparação da empresa individual a pessoa jurídica, sendo seus rendimentos tributados nesta condição.
11. No tocante ao critério da habitualidade, é esclarecedora a Solução de Consulta Cosit nº 147/2018:
Observe-se que, atualmente, não há na legislação tributária um conceito objetivo do que vem a ser habitualidade para fins de equiparação da pessoa física à pessoa
jurídica.
Habitualidade deve ser considerada como própria das operações que não são eventuais ou acidentais. Deve denotar uma intenção de permanência, de continuidade no exercício da atividade. Não pode ser aferida unicamente, como pretende o consulente, pela quantidade de operações realizadas em um determinado período de tempo, embora este possa ser um critério importante para indicar a habitualidade.
12. A solução de consulta em comento dispõe que a habitualidade é a atividade praticada de maneira constante, permanente e com intenção de continuidade. Ato contínuo, tal norma determina que a verificação da habitualidade deverá ser realizada no caso concreto, não havendo conceito jurídico objetivo.
13. Deste modo, se o empreendimento de mineração for explorado de maneira habitual e contínua, o contribuinte será tributado como se pessoa jurídica o fosse, nos termos do art. 162 do RIR/2018. Mas o que significa “ser explorado de maneira contínua”?
14. Na prática, a grande maioria dos empreendimentos de mineração de criptomoedas permanecem ligados 24horas por dia e 7 dias por semana, disponibilizando seu poder computacional para a rede. Assim, se o critério para fins de definição de habitualidade for o simples funcionamento do sistema, a grande maioria dos empreendimentos de mineração explorados por pessoas física estará sujeito à equiparação.
15. Tal critério, todavia, não é razoável. Como pontuado na Solução de Consulta Cosit nº 147/2018, habitualidade significa a prática reiterada de operações comerciais. Por sua vez, operação comercial deve ser entendida como a atividade de compra e venda de ativos (ou prestação de serviços).
16. Assim, para que haja equiparação, além da “produção” de um ativo, é necessário que ele seja alienado de maneira habitual. Deste modo, ainda que um ativo seja produzido de maneira contínua, se suas vendas ocorrem apenas de maneira esporádica, não há como se falar em habitualidade.
17. Exemplificando, não há que se falar em equiparação quando um produtor rural planta, de maneira contínua, cebolas, mas opta por utilizá-las em consumo próprio, sem aliená-las. De igual modo, se uma pessoa física tiver como hobby a fabricação de bolas, mas não as alienar, também não é possível afirmar que existe habitualidade, para fins de equiparação de pessoa jurídica.
17.1 Continuando o exemplo anterior, haveria equiparação se o produtor rural ou o fabricante de bolas, além de produzir os ativos de maneira contínua, vendesse grande parte da produção de maneira regular.
18. Percebe-se, portanto, que o simples acúmulo de ativos, por si só, não pode ensejar a equiparação da pessoa física à jurídica. Mas a atividade de venda constante destes ativos, sim.
19. O simples funcionamento do sistema de mineração, por si só, não se traduz em uma operação comercial, mas é apenas uma forma de obtenção de ativos. Para que haja habitualidade, além da aquisição, deve haver também alienações regulares.
20. Assim, o simples fato do sistema de mineração funcionar 24 horas por dia, por si só, não caracteriza a habitualidade necessária para equiparação da pessoa física à jurídica. Para fins de habitualidade, faz-se necessário que as criptomoedas obtidas através da atividade de mineração sejam continuamente alienadas.
21. Conclui-se, portanto, que na atividade de mineração de criptomoedas habitualidade deve ser entendido como a prática reiterada (com intenção de continuidade) das operações de alienação dos ativos obtidos através do processo de mineração. Habitualidade não pode ser entendida como a simples obtenção, reiterada, de criptoativos.
Otávio Carvalho