Grande parte do contencioso tributário que é objeto de julgamento pelo CARF reside no assunto ágio e deságio na aquisição de participações societárias, principalmente antes da regulamentação trazida pela Lei N.º 12.973/2014.
A inovação trazida pela Lei acima, que trata da alteração da legislação tributária federal relativa ao IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins, além de outras alterações, contempla o que já dispunha o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) N.º 15, em uma forma de harmonizar o conceito advindo da legislação contábil internacional, portanto, impactando a apuração tributária, e não o contrário, como costumeiramente ocorre.
A combinação de negócios é definida pelo CPC 15 e se submete a ele como a aquisição de ativos e passivos assumidos identificados e registrados contabilmente pelo método de aquisição, devendo demonstrar:
- a identificação do adquirente;
- determinação da data de aquisição;
- reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias de não controladores na adquirida; e
- reconhecimento e mensuração do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa
Essa imposição trazida pelo CPC é reproduzida, quase integralmente, na Lei N.º 12.973/2014, que em seu §5º, do artigo 20, in verbis:
§ 5º A aquisição de participação societária sujeita à avaliação pelo valor do patrimônio líquido exige o reconhecimento e a mensuração:
I – primeiramente, dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos a valor justo; e
II – posteriormente, do ágio por rentabilidade futura (goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa.
Deixa claro o comando legal da Lei N.º 12.973/2014 que a aplicação desse critério de apuração do ágio ou deságio é apenas para o caso de negociações de participações societárias avaliadas pelo método da equivalência patrimonial, que é aplicado obrigatoriamente aos investimentos em coligadas ou em controladas e em outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob controle comum. Fiscalmente, tem efeitos neutros, sem nenhum reflexo, a não ser na baixa dos investimentos por alienação.
Dito tudo isto, a grande importância fiscal para controle, apuração e demonstração do ágio é decorrente dos efeitos tributários, cujo nascedouro deu-se com os art. 7º e 8º da Lei n. 9532, de 10.12.1997, de forma que as reorganizações societárias de incorporação, fusão ou cisão entre as pessoas jurídicas investidora e investida, os ágios e deságios pudessem ser amortizados e compor o lucro tributável e, a partir de então, levar ao provisionamento dos tributos incidentes, IRPJ e CSLL.
Antes do advento da Lei N.º 12.973/2014, o parágrafo 3º do artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 era cristalina a exigência de que o lançamento do ágio fundamentado no valor de mercado dos bens ou na perspectiva de rentabilidade futura deveria ser baseado em “demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração”, como bem observa Ramon Tomazela Santos.
Nessa senda, o CARF julgou inúmeros processos e desconsiderou a necessidade da exigência imprescindível para a apresentação de laudos de modo a fundamentar a apuração e demonstração do ágio, mas por qualquer forma de demonstração, contemporânea aos fatos, que indique por que se decidiu por pagar um sobrepreço, como é o caso do Acórdão nº 1102-001.018, de 12.2.2014, da 2ª Turma Ordinária, da 1ª Câmara, da 1ª Seção.
Denota-se, que a demonstração, sem grandes formalidades, mas que apresente de forma fundamentada, à época da celebração do negócio jurídico, represente o caráter volitivo de se pagar o ágio na operação, portanto, enfatizando o aspecto subjetivo da apuração do ágio em si.
Em decisão recente, como afirmado no Acórdão nº 1302-005.823, de 19.10.2021, da Segunda Turma Ordinária da Terceira Câmara da Primeira Seção, não é exigido do contribuinte nem que o lucro esperado quando da negociação se concretize, por completa ausência de previsão legal, como segue:
IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2002, 2003 ÁGIO. EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA EM INCORPORAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL A EXIGIR A CONCRETIZAÇÃO DO LUCRO ESPERADO. No pagamento de ágio com fundamento em expectativa de rentabilidade futura inexiste na legislação aplicável à espécie qualquer exigência de que a previsão de lucro futuro se concretize. Não se pode impor ao contribuinte como condição para usufruir da amortização requisitos ou exigências não previstos em lei.
Diante de todo o contencioso administrativo que tratava sobre o ágio e o deságio na aquisição de participações societárias, com o desiderato de estabelecer critérios mais objetivos e formais para a apuração e demonstração, surgiu a necessidade do laudo de avaliação, com o prazo de protocolo de até 13 (treze) meses da negociação celebrada, a ser registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos, conforme artigo 178, §2º, da IN RFB 1.700, de 16.03.2017, ou na Receita Federal do Brasil, §2º, da referida instrução normativa.
Assim sendo, em consonância com o item 46 do CPC 15, a empresa adquirente tem o prazo de 12 (doze) meses, contados da data da aquisição para ajustar os valores provisórios reconhecidos para a combinação de negócios, de modo que o adquirente obtenha as informações necessárias para identificar e mensurar os ativos e passivos adquiridos, a contraprestação transferida pelo controle da adquirida e o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) ou o ganho por compra vantajosa.
Esse laudo, que, como dito na instrução normativa declinada acima, precisa ser elaborado por perito independente, sem destacar quais seriam os critérios para enxergar a independência, necessário que se busque o conceito de independência do Código de Processo Civil, que discrimina as condições de suspeição e impedimento do perito, como assevera o seu artigo 148.
O laudo pericial para as aquisições e avaliação da mais-valia ou menos-valia deve apresentar informações mínimas sob a forma que o §7º, da IN RFB 1.700, de 16.03.2017, retrata e reproduzimos a seguir, sob pena de não aproveitamento da mais-valia ou considerar a menos-valia como integrante do custo dos bens ou direitos que forem realizados em menor prazo, o não aproveitamento do ágio por rentabilidade futura (goodwill):
I – qualificação da adquirente, alienante e adquirida;
II – data da aquisição;
III – percentual adquirido do capital votante e do capital total;
IV – principais motivos e descrição da transação, incluindo potenciais direitos de voto;
V – discriminação e valor justo dos itens que compõem a contraprestação total transferida;
VI – relação individualizada dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos com os respectivos valores contábeis e valores justos; e
VII – identificação e assinatura do perito independente e do responsável pelo adquirente.
Inobstante o critério formal para apurar, demonstrar e registrar o ágio, que, em tese demonstra o seu critério subjetivo e o intento de pagar o ágio ou o deságio na aquisição da participação societária, o critério objetivo de apuração, há outro elemento da avaliação que o laudo pericial traz que é o aspecto objetivo, ou seja, quais diretrizes foram utilizadas para evidenciar o valor justo dos ativos e o ágio por rentabilidade futura.
É de conhecimento de todos que a ciência contábil trabalha, para evidenciação e mensuração dos relatórios, com critérios de avaliação que, previamente estão dispostos nos pronunciamentos, interpretações e orientações contidas nas normas contábeis, como disciplina o item 7 do CPC23 (R14). Ainda assim, com todo o rigor e a busca pela objetividade dos critérios contábeis, há situações cotidianas e particulares envolvidas que ensejam interpretações e julgamentos diferentes de outro usuário da informação contábil.
Como ensinar o renomado jurista Ricardo Mariz de Oliveira, a mais-valia, que tanto importa para o cálculo do ágio, é a parte do maior valor dos ativos líquidos. Afinal, o que seriam os ativos? Quais os critérios corretos de avaliação do ativo? O ativo é definido pelo CPC 00 (R2) como sendo o recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados. Mas como avaliar o know-how que não seja de domínio público, qual o critério ideal que guarde maior proximidade do fluxo de caixa a ser gerado?
O item 1.14 do CPC 00 (R2) traz-nos a afirmação contundente sobre a eventual falta de assimetria entre resultados apurados dos relatórios contábeis, visto que diferentes tipos de recursos econômicos afetam diferentemente a avaliação, por usuário, das perspectivas de fluxos de caixa futuros da entidade que reporta.
Considerando que o Código de Processo Civil é norma supletiva e subsidiária para os processos administrativos, conforme a inteligência do artigo 15, e que a perícia contábil é uma prova técnica e que consiste em exame, vistoria ou avaliação, como preceitua o artigo 464 o Códex, o laudo pericial, desde que contemple as exigências formais da sua apresentação, que o perito não esteja sob o manto da suspensão ou do impedimento e que respeite as normas técnicas contábeis, deve servir, com todos os seus efeitos, de prova para registrar, demonstrar e apurar o ágio da aquisição da participação societária.
Qualquer intromissão da autoridade tributária que seja pertinente a não homologar os critérios objetivos definidos pelo laudo pericial, prova técnica e robusta que é, deve ser fundamentado também com respaldo na norma, mas jamais impor um critério de julgamento que, por vezes, pode ser mais abrangente ou não.
Destarte, se a informação do laudo pericial tem a representação perfeitamente fidedigna, ou seja, se é completa, neutra e isenta de erros, está tecnicamente habilitada para prestar o seu mister. Ressaltando que a representação fidedigna não significa representação precisa em todos os aspectos. Estando o laudo livre de erros, que não significa concordância absoluta com o critério de avaliação do perito, ele pode e deve cumprir o condão de aferir o ágio ou deságio da operação da aquisição de participação societária.