A transmissão causa mortis de imóveis e a doação de bens ou direitos constitui fato gerador do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, cuja hipótese de incidência possui fundamento constitucional no artigo 155, I e § 1º, bem como previsão nos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional. Tal tributo é de competência dos estados e do Distrito Federal, tem como base o valor venal dos bens ou direito transmitidos e possui como contribuintes o herdeiro ou legatário (transmissão causa mortis), o donatário (doação) e o cessionário (cessão de herança ou de bem ou direito a título não oneroso).
Alguns estados, para aumentar a arrecadação deste imposto, passaram a prever legalmente a incidência do ITCMD sobre o Plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.
De acordo com a Superintendência de Seguros Privados SUSEP, a “VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal – que poderá ser vitalícia ou por período determinado – ou um pagamento único. O primeiro (VGBL) é classificado como seguro de pessoa, enquanto o segundo (PGBL) é um plano de previdência complementar”. Tais planos são regulamentados pela Resolução CNSP n.º 140, DE 2005 e pela Resolução CNSP n.º 349/2017.
A grande discussão sobre o tema é se os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência do falecimento do segurado falecido destes planos de previdência privada, integram a herança.
No julgamento do REsp nº 1961488/RS em novembro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que os valores do VGBL não integram a herança e, portanto, não devem ser sujeitos à tributação do ITCMD. De acordo com a relatora do caso, ministra Assusete Magalhães, o VGBL é uma espécie de seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado. Segundo a ministra, a natureza securitária do VGBL é reforçada pela Resolução CNSP n.º 140, DE 2005 e pelo artigo 79 da Lei 11.196/2005, que prevê que “os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante”. Portanto, os valores não podem ser considerados como herança para todos os efeitos do artigo 794 do Código Civil.
Tendo em vista que o assunto demanda controvérsia perdurável, o Supremo Tribunal Federal reconheceu em maio de 2022 a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário n. 1.363.013/RJ, cujo julgamento irá definir a tese sobre o Tema 1.214 – Incidência do ITCMD sobre o plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.
No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro declarou a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 7.174/2015 no tocante à previsão de incidência do ITCMD sobre o VGBL, com base no artigo 74, §2º e §3º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, seguindo a mesma linha de entendimento do STJ de que esta modalidade de previdência complementar possui natureza securitária. Em relação ao PGBL, o tribunal reconheceu a constitucionalidade da incidência do ITCMD, visto que este plano teria natureza de poupança previdenciária, sendo uma espécie de aplicação financeira a longo prazo, com transmissão aos herdeiros no momento da morte do titular.
O Estado do Rio de Janeiro pleiteia que o STF reconheça a constitucionalidade de incidência do ITCMD sobre ambas as modalidades de planos de previdência privada sob o argumento, em suma, de que os valores oriundos de plano de previdência não se confundem com os de seguro de vida e de acidentes pessoais para o caso de morte, pois, neste caso, o beneficiário jamais será o segurado, mas sim, as pessoas por ele indicadas, e, no caso da previdência, o beneficiário é o próprio segurado, e que se o beneficiário falecer antes de esgotado o prazo destinado à cobertura por sobrevivência, o valor destinado à cobertura será objeto de herança, pois haverá transmissão desses recursos aos herdeiros do segurado, o que é compatível com o artigo 794 do Código Civil.
Já a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta – FENASEG argumenta que o artigo 23 da Lei 7.174/2015, que estabeleceu a incidência de ITCMD na transmissão causa mortis de valores e direitos relativos a planos de previdência complementar com cobertura por sobrevivência como PGBL e VGBL, viola o artigo 24, §§ 3º e 4º da Constituição Federal, o artigo 74, §3º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e o artigo 794 do Código Civil, além da jurisprudência do próprio TJRJ, pois os mencionados planos de previdência são transmitidos diretamente aos beneficiários em caso de morte do titular, sem necessidade de inventário e do pagamento do ITCMD.
Diante do cenário atual, a expectativa é de que seja confirmada a não tributação sobre os valores referentes ao VGBL, sobejando maior indeterminação acerca da sujeição dos valores do PGBL ao ITCMD. O imbróglio parece, enfim, estar perto de ser solucionado pela corte constitucional.
Fonte:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, artigo 155, I e § 1º.
BRASIL. Código Tributário Nacional (1966). Brasília, DF, artigos 35 a 42.
STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 1.363.013/RJ. Relator: Ministro DIAS TOFFOLI. DJe: 23/05/2022.
STJ. RECURSO ESPECIAL N. 1.961.488/RS. Relatora: Ministra Assusete Magalhães. DJe: 17/11/2021.