A imunidade tributária pode ser definida como limitação ao poder de tributar trazido pelo texto constitucional, impedindo que os entes federativos criem e cobrem tributos sobre determinados bens e direitos, assegurando o exercício de direitos e garantias individuais e coletivas do contribuinte.
Uma das imunidades trazidas pelo texto constitucional foi a relacionada à integralização do capital social de empresa com bens e direitos, afastando a incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), conforme disposto no artigo 156, §2º, I da Constituição Federal.
Muitas discussões foram abordadas acerca desta imunidade, dentre as quais a relacionada ao valor do ágio, referente à diferença a maior em relação às cotas subscritas no capital social, utilizado como reserva de capital. Tal discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a existência de repercussão geral sobre a celeuma através do Recurso Extraordinário n. 796.376/SC, de relatoria do Ministro Marco Aurélio.
O artigo 156, §2º, I da Constituição Federal diz que “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Da leitura do dispositivo, surgiram muitas questões. A primeira delas, como já explanado, diz respeito à imunidade sobre a integralização do capital social da empresa. O valor que exceder as cotas subscritas deveria ou não ser objeto de tributação pelo ITBI?
A segunda questão diz respeito à exceção prevista, que permite a tributação quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Em relação à imunidade na realização de capital, o STF reconheceu que o instituto somente é cabível em relação ao valor das cotas subscritas, não atingindo o valor da diferença utilizado para a constituição do patrimônio líquido.
No voto vencedor, proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, foi fixado o entendimento, de acordo com melhor doutrina, de que a norma imuniza não qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica; a norma imunizante diz respeito exclusivamente ao pagamento em bens ou direitos que o sócio faz para integralização do capital social subscrito que pode ocorrer tanto no início da constituição de pessoa jurídica, como também posteriormente por ocasião do aumento do capital. Este entendimento ainda encontra consonância com o previsto no artigo 36, I do Código Tributário Nacional, recepcionado pelo atual texto constitucional, que diz que não incide ITBI quando efetuada a incorporação de bens e direitos ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito.
Quanto à exceção prevista no dispositivo constitucional, sua aplicação seria somente aos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, de acordo com a segunda parte do inciso I do §2º do artigo 156 da CRFB. Ou seja, não cabe dizer que haverá incidência de ITBI quando bens e direitos forem incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, mesmo que a atividade principal da empresa seja uma das mencionadas ao final do inciso.
A conclusão do julgamento gerou o Tema 796, STF, que fixou a tese de que “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Apesar do fixado pela suprema corte, os tribunais de justiça Brasil afora ainda divergem sobre a adoção da sapiência pregada.
Um exemplo claro é o do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Embora o voto que estabeleceu a tese tenha deixado claro que a exceção para a incidência do ITBI relaciona-se apenas aos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, o referido tribunal vem entendendo que há incidência de ITBI mesmo na integralização de capital social quando a atividade preponderante for alguma das listadas ao final do inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição.
A fundamentação utilizada pelo TJSP é a de que a parte do voto que versa sobre a exceção da imunidade não possui caráter vinculante, devendo ser aplicado o artigo 37 do CTN em quaisquer dos casos.
Portanto, apesar de parecer que o debate foi saneado, vemos que ainda haverá muita discussão sobre a incidência do ITBI na integralização do capital social, ante a discordância em alguns casos com o ponto de vista adotado pelo STF.
Normativo:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, artigo 156, §2º, I.
BRASIL. Código Tributário Nacional (1966). Brasília, DF, artigo 36, inciso I, e artigo 37, caput.
STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 796.376 SC. Relator: Ministro Marco Aurélio. DJe: 25/08/2020.
TJSP. Apelação Cível N. 1015270-64.2021.8.26.0405. Relator: DESEMBARGADOR OTAVIO MACHADO DE BARROS. DJe: 07/12/2021
TJSP. Apelação Cível N. 1000274-21.2021.8.26.0095. Relator: DESEMBARGADOR RICARDO CHIMENTI. DJe: 06/1/2021.