O art. 502 do CPC, ao expor o conceito e limites objetivos da coisa
julgada, disciplina que “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna
imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Noutros dizeres, a coisa julgada é entendida como o efeito jurídico
que recai sobre uma decisão judicial, tornando indiscutível e imutável o seu conteúdo,
vale dizer, uma autoridade que impede nova decisão sobre aquela questão discutida.
Sendo assim, possui duas qualidades: indiscutibilidade e imutabilidade.
Com relação aos seus efeitos, a doutrina destaca três: negativo,
positivo e preclusivo. O primeiro diz respeito a impossibilidade de proferir nova decisão
sobre questão já decidida; o segundo, de sua vez, determina que a coisa julgada tem que
ser levada em consideração quando é utilizada como fundamento do pedido; o terceiro,
por fim, impõe que aquilo que fora decido não seja rediscutido com base em novas
alegações.
Relevante lembrar que todos os efeitos são produzidos dentro e fora
do processo. Contudo, prezando-se pela concisão e rigor deste artigo, a análise limitar-
se-á ao efeito negativo, vez que suficiente à crítica que será deduzida.
O art. 42 do Decreto no 70.253/72 – que regulamenta o processo
administrativo fiscal – elenca as decisões que são definitivas, excetuando-se a hipótese
em que a decisão deve ser necessariamente revista por ferir o ordenamento jurídico, em
consonância com o teor da súmula 473 do STF (princípio da autotutela). São elas:
“I – de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário
sem que este tenha sido interposto; II- de segunda instância de que não caiba recurso
ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição; e III – de instância
especial”.
Neste sentido, em qualquer destas hipóteses formar-se-ia a coisa
julgada administrativa, não sendo possível que o sujeito passivo rediscuta a solução
dada àquele caso, certo?
Bem, o entendimento sobre a possibilidade ou não da formação da
coisa julgada administrativa não é uníssono, como veremos em seguida.
Há quem defenda que não existe coisa julgada na esfera
administrativa – pelo menos em seu aspecto técnico –, pois aquela decisão definitiva
pode ser rediscutida judicialmente (em ação anulatória de débito fiscal, por exemplo), o
que mitiga a estabilidade da decisão.
Ademais, sob a ótica do princípio da inafastabilidade de jurisdição
(art. 5o, XXXV, CF), todos os atos administrativos estão sujeitos à revisão na esfera
judicial, o que significa dizer que a discussão sobre a matéria tributária pode ou não ser
encerrada administrativamente, ainda que proferida ou confirmada em segunda
instância.
Portanto, nesta linha, haveria tão somente a irretratabilidade da
decisão ou a preclusão da via administrativa.
Todavia, sob outro viés, a doutrina majoritária defende a existência da
coisa julgada administrativa, mas nos limites do processo administrativo em que foi
proferida a decisão, não atingindo outros processos, seja qual for a seara (efeito
endoprocessual).
Quer-se com isso dizer que haveria apenas a coisa julgada formal, isto
é, para aqueles que adotam a visão tradicional de que a coisa julgada formal ocorre
dentro do processo e a material fora dele. E, ainda, a sua previsão encontra-se no art.
156, IX, CTN e art. 45 do Decreto no 70.253/ 72.
Como exceção, a coisa julgada material só se formaria na hipótese
remota de decisão administrativa definitiva favorável ao contribuinte, quando inadmite-
se a revisão jurisdicional.
Com isso, pincelando-se alguns pontos importantes de um tema tão
espinhoso, é possível concluir que, seja qual o posicionamento doutrinário adotado, a
coisa julgada em seu sentido técnico, conceituada nos moldes do art. 502 do CPC e com
as qualidades e efeitos que lhe são inerentes, não opera em âmbito administrativo em
sua completude, tendo em vista que, em regra, sempre poderá ser revista judicialmente
com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição, afastando a estabilidade do teor
das decisões proferidas em âmbito administrativo.
Fundamentos: CPC, CF, CTN, Decreto no 70.253/ 72.