Primeiramente, faz-se oportuno conceituar, de forma breve, o instituto do Difal.
Em síntese, o Difal será o diferencial entre a alíquota interestadual aplicável a operação e a alíquota interna do Estado de destino, sendo obrigatória em operações interestaduais para consumidores finais, objetivando tornar mais justa a arrecadação do ICMS entre as unidades federativas.
Pois bem, para um melhor entendimento do que se pretende perfilhar no presente artigo, faz-se mister retroagirmos alguns anos.
Em 1988, o constituinte originário adotou dois modelos para a incidência de ICMS interestadual nas operações destinadas para consumidor final, que seriam aplicados conforme o adquirente. O primeiro deles, seria o já conhecido Difal, que incidiria na venda de mercadorias entre Estados, cujo adquirente é contribuinte habitual.
O segundo deles viabilizava a incidência do ICMS nas operações interestaduais, em que o adquirente não era contribuinte habitual. Nesse último modelo, o ICMS incidia unicamente na origem, ficando o Estado, onde estava estabelecido o fornecedor, com a totalidade do tributo.
Note-se, portanto, que não havia previsão do Difal para as operações em que o adquirente não era contribuinte habitual. Isso, pois, à época de sua edição, em 1988, não havia uma alta demanda de comercializações interestaduais, cujos adquirentes não eram contribuintes habituais, fato que se ascendeu com o e-commerce, somente anos após.
Diante do crescimento das receitas oriundas as operações de comércio virtual, alguns Estados restavam prejudicados, haja vista grande parte das indústrias que trabalham com comércio virtual estarem estabelecidas nas regiões Sul e Sudeste, gerando a concentração das receitas de ICMS incidente nestas unidades da federação.
À vista disso, a solução encontrada foi a criação do Protocolo ICMS 21/2011, o qual determinava que nas operações interestaduais que destinassem mercadorias a consumidores finais, haveria cobrança de diferencial de alíquota do ICMS a ser recolhido ao Estado de destino da mercadoria.
Acontece que, o referido protocolo afrontou o comando constitucional que dispunha de maneira diversa sobre tais operações, mais especificamente os incisos VII e VIII do § 2º, do art. 155 da Constituição Federal, motivo pelo qual foi julgado inconstitucional pela Suprema Corte.
Diante da inconstitucionalidade do Protocolo 21 e face à necessidade de equalizar as receitas tributárias de ICMS decorrentes das operações interestaduais realizadas com consumidores finais não contribuintes do imposto, que ascenderam significativamente com o e-commerce, foi sancionada a Emenda Constitucional nº 87/2015.
A referida Emenda alterou os incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, e passou a prever o Difal-Não Contribuintes, objetivando a repartição do ICMS entre o Estado de origem e o Estado de destino nas operações interestaduais cujos adquirentes não são contribuintes habituais.
A partir de então as unidades da federação editaram leis estaduais próprias prevendo a cobrança do Difal nas operações interestaduais que destinassem mercadorias para não contribuintes do ICMS em seus territórios.
Ocorre que, inexiste Lei Complementar que discipline a instituição do tributo, em obediência ao constituinte originário, que a exige para todas as formas de cobrança do ICMS, vide art. 155, § 2º, XII.
Destarte, em fevereiro do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
Em outras palavras, ao fixar a referida tese, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 1.287.019, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do diferencial de alíquota de ICMS devido nas operações interestaduais com destinatários não contribuintes do ICMS, o chamado “Difal-Não Contribuintes”.
Todavia, como é cediço, os Estados também exigem sem Lei Complementar, o Difal sobre as operações de venda para consumidores finais, contribuintes do ICMS, o chamado Difal-Contribuintes. Explica-se.
O constituinte originário havia estabelecido a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal celebrarem Convênio para regular provisoriamente o tema, caso a Lei Complementar não fosse editada no prazo de sessenta dias da publicação do texto constitucional, conforme art. 34, §8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Não sobrevindo Lei Complementar no prazo, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICMS 66/1988, que instituiu as normas gerais concernentes ao ICMS, tratando, na oportunidade, do Difal-Contribuintes, disciplinando no artigo 2º, inciso II, a ocorrência do fato gerador “na entrada no estabelecimento de contribuinte, de mercadoria oriunda de outro Estado destinada a consumo ou ativo fixo.”
Anos após, houve a edição da Lei Complementar nº 87/1996, que estabelece as regras gerais de cobrança do ICMS. Contudo, a referida legislação fora omissa, quando da descrição das hipóteses de fatos geradores do ICMS, a aquisição de bens ou mercadorias oriundas de outro Estado, com destino a ativo fixo ou consumo no estabelecimento.
Tendo em vista a publicação da lei complementar, a previsão contida na ADCT, que autorizava a edição de Convênios para regular provisoriamente o tema, perdera sua eficácia, juntamente com o Convênio ICMS 66/1988, nele embasado.
Isso, pois, a aplicabilidade do ADCT é transitória, temporária e limitada e, em assim sendo, restou prejudicada com a edição da Lei Complementar nº 87/96, que passou a versar sobre a temática.
Pontua-se que há diversos precedentes do Supremo no sentido de ser imprescindível Lei Complementar nas hipóteses assim determinadas pelo constituinte originário. Além da exigência de Lei Complementar na hipótese aqui perfilhada, qual seja Difal-Não Contribuintes, tem-se, ainda, a declaração de inconstitucionalidade do extinto Adicional de Imposto de Renda, por ocasião do Recurso Extraordinário nº 159.180; a declaração de inconstitucionalidade do ICMS- Importação de não contribuintes, anterior a Lei Complementar nº 114/2002, por ocasião do Recurso Extraordinário 122.133, entre outros.
Resta claro, portanto, que o entendimento firmado pelo Supremo concernente ao Difal Não-Contibuinte é um importante fundamento que corrobora as alegações de inconstitucionalidades aplicáveis ao Difal-Contribuintes.
Isso, pois, ambos não possuem a previsão necessária em Lei Complementar.
Thaís Cabral Vitorino