Há tempos, as controvérsias provenientes do conteúdo das normas legais que
dispõem sobre a criação e instituição do regime jurídico da Zona Franca de Manaus vêm
exercendo destaque entre as questões fiscais protagonistas nos tribunais federais e nos
tribunais superiores.
De tempos em tempos, os contribuintes encampam novas teses à luz da
interpretação do Decreto Lei 288/67, preponderantemente em relação aos conflitos legais
que surgem entre a regulamentação dos incentivos fiscais à área incentivada da Zona
Franca de Manaus e as demais normas gerais acerca do Poder Estatal de tributar, por
meio da criação, cobrança e fiscalização dos contribuintes quanto o cumprimento da
conformidade fiscal.
Nesse trilhar, preliminarmente, impende salientar que a Zona Franca de
Manaus foi criada pela Lei no. 3.137/57, com a finalidade de reduzir as desigualdades
sociais e regionais existentes na região, em virtude dos fatores locais e da distância dos
grandes pólos consumidores, especialmente com o objetivo de proporcionar melhores
condições ao desenvolvimento industrial, comercial e agropecuário, como também
estimular o desenvolvimento da sociedade na região.
No mesmo sentido, foi atribuída as normas que tratam dos incentivos fiscais à
região status constitucional, conferindo natureza jurídica de verdadeira imunidade, não
se tratanto apenas de isenção. A principal diferença é que, enquanto imunidade
constitucional, não é possível que os entes públicos detenham autonomia para deliberar
sobre a revogação dos incentivos à Zona Franca de Manaus por mera lei ordinária
infralegal, tampouco detém o poder de criar óbice à efetividade do direito assegurado
ao contribuinte que desenvolve atividade econômica na área incentivada.
Assim, tem-se que os artigos 40 c/c 92 e 92-A do ADCT trataram de
recepcionar o modelo implantado pelo Decreto-Lei no 288/1967, atribuindo status
constitucional à área incentivada pelas Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre
Comércio.
Ainda assim, as questões atinentes aos incentivos fiscais nesta região ainda geram diversas divergências entre o Fisco federal e os contribuintes locais, notadamente em relação à previsão do art. 4o do Decreto Lei 288/67, cuja norma determina que não sejam tributadas pelas contribuições sociais ao PIS/Pasep e à
COFINS as receitas decorrentes de vendas de mercadorias nacionais destinadas à empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus.
A questão mais recente chegada aos tribunais superiores decorre da batalhada
travada entre os contribuintes instalados na Zona Franca de Manaus, os quais optaram
pelo recolhimento de tributos sob o sistema do Simples Nacional.
A divergência principal se dá devido ao entendimento do Fisco no sentido de
que as empresas que recolhem seus tributos sobre o faturamento bruto, adotando a
sistemática do Simples Nacional, não devem ser beneficiadas pela imunidade do PIS e
COFINS à região incentivada. Isto porque o Fisco federal adota interpretação restritiva
da Lei 123/06, a qual prevê que o tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado
às microempresas e empresas de pequeno porte sob o sistema do Simples Nacional,
implica em renúncia a todo e qualquer outro benefício tributário.
O Simples Nacional é sistema tributário que concede tratamento favorecido
para microempresas e empresas de pequeno porte, com o objetivo de garantir a sua
sobrevivência e fomentar atividade econômica desses contribuintes, em face da
complexidade do sistema tributário brasileiro tanto em relação ao alto custo do
cumprimento de obrigações acessórias perante o Fisco quanto à elevada carga tributária
do país. Portanto, a sistemática diferenciada de recolhimento de tributos pelo Simples
Nacional não pode ser entendida sob o aspecto restritivo, como se o caso fosse de
renúncia tributária, somente devido ao fato de o contribuinte estar submetido ao
referido regime.
Esse é o entendimento do contribuinte e do Tribunal Regional Federal da 1a
Região, cujo entendimento é que a imunidade ao Pis e Cofins na área incentivada, deve
ser interpretada à luz das finalidades que presidiram a criação da Zona Franca de
Manaus, estampadas no próprio Decreto Lei 288/67, e na observância irrestrita dos
princípios constitucionais que impõem o combate às desigualdades sócio-regionais.
A norma acima citada estabelece que a área da Zona Franca de Manaus é
perímetro equiparado a área de exportação, portanto, as atividades econômicas ali
desenvolvidas não podem ser oneradas pelas Contribuições do Pis e Cofins, sem qualquer distinção ou condição estabelecida para usufruir do benefício.
A divergência recentemente chegada ao Supremo Tribunal Federal foi
interpretada a favor do contribuinte, atendendo à finalidade da criação dos benefícios
concedidos à Zona Franca de Manaus.
Sob esse aspecto, o Pleno do STF finalizou, em 21/05/2020, o julgamento do
RE 598.468/SC e, por maioria dos votos concedeu parcial provimento ao Recurso
Extraordinário 598.468 (Repercussão Geral n. 207) para “reconhecer o direito à
imunidade constitucional prevista no artigo 149, § 2o, e 153, § 3o, III, sobre as receitas
decorrentes de exportação e sobre a receita oriunda de operações que destinem ao
exterior produtos industrializados”, fixando a seguinte tese de repercussão geral: “As
imunidades previstas nos artigos 149, § 2o, I, e 153, § 3o, III, da Constituição Federal
são aplicáveis às empresas optantes pelo Simples Nacional”, nos termos do voto do
Ministro Edson Fachin, redator do acórdão.
A maioria do colegiado avaliou que a imunidade constitucional tem natureza
objetiva. Isto é, ao analisar a Constituição o Judiciário não poderia fazer uma
diferenciação entre os contribuintes que o legislador, por opção política, não instituiu.
Nesse sentido, o ministro entendeu que a imunidade alcança as empresas do Simples.
O sistema integrado de pagamento de impostos e contribuições das
microempresas e empresas de pequeno porte (SIMPLES) atende à exigência de
simplificação da cobrança de tributos, o que não implica atribuir à União capacidade
para dispor sobre as situações jurídicas imunizadas, pois, embora tenha o legislador o
dever de simplificar a cobrança, não detém competência para dispor sobre as
imunidades.
Por fim, conclui-se que o regime simplificado de cobrança não pode ser
utilizado como fundamento para dar ensejo ao exercício de uma competência de que os
entes políticos jamais dispuseram, qual seja impedir que o contribuinte efetive o direito
de estar imune ao pagamento das contribuições sociais ao PIS e COFINS, quando
exerce atividade econômica na referida àrea incentivada.
Assim, é devido reconhecer a imunidade das receitas à pessoa jurídica
exportadora de produtos e serviços, em razão do benefício concedido pelo exercício
dessas atividades na região da Zona Franca de Manaus, com a finalidade de reduzir as desigualdades sociais e regionais, garantindo o fomento à região incentivada, atendendo ao Princípio da Isonomia Tributária preceituado pela Constituição Federal e estimulando o desenvolvimento da região.
Ludmilla Míglio Conde Rodrigues Costa.
OAB/AM 12.298
Referências:
- . BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada
em 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > - . _. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário no 598.468,
Relatoria do Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Ministro Edson Fachin,
Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-288 DIVULG 07/12/2020 PUBLIC
09/12/2020. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=75460776 1 > - . _. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.276.540-AM, r. Ministro
Castro Meira, 2a Turma do STJ). (AGRAC 0001221-02.2013.4.01.3200/AM,
Relator Desembargador Federal Novély Vilanova, 8a Turma, decisão: 26/06/2015,
publicação no e-DJF1 de 17/07/2015, p. 1590 - . _. AMS 1002117-86.2017.4.01.3200, Desembargador Federal
Hercules Fajoses, TRF1 – Sétima Turma, PJe 11/03/2020; - . _. AMS 1000886-58.2016.4.01.3200, Desembargador Federal Novély
Vilanova, TRF1 – Oitava Turma, PJe 30/01/2020; EDAC 0014402-
02.2015.4.01.3200, Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa, TRF1 –
Oitava Turma, e-DJF1 25/10/2019. - https://www.jornalcontabil.com.br/decisao-do-congresso-simples-nacional-nao-
e-renuncia-tributaria/ - Páginas 12 a 21 do Parecer (Doc. 05) formulado pelo Ilustre Professor Ives Gandra
da Silva Martins, onde o Direito de Ingerência da Amazônia foi totalmente
rechaçado, não só pelo renomado Autor, como também, por Roberto Campos e
Cristovam Buarque, sendo pois, uma das razões fundamentais de criação da Zona
Franca de Manaus.
- Os fatores que deram azo a Zona Franca de Manaus foi retirado do recente
Acórdão do Recurso Especial no 1.246.540/AM de Relatoria do Ministro Castro
Meira e do Decreto Lei 288/67; - MARTINS, Ives Gandra. Teologia dos Incentivos Fiscais aprovados pela
Suframa. Disponível em
http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewFile/1580/1531.