O art. 116, parágrafo único, do CTN, foi inserido pela Lei Complementar nº 104/2001, sendo comumente chamada de “norma geral antielisiva”. Segue, abaixo, sua transcrição literal, para análise no presente estudo:
“(…) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (…)”
Ao longo dos anos, houve duas tentativas de regulamentar o tema: a Medida Provisória nº 66/2002, nos arts. 13 a 19, que foram excluídos quando da conversão na Lei n. 10.637/2002 e a Medida Provisória nº 685, nos arts. 1º a 12, os quais foram suprimidos na ocasião da conversão na Lei nº 13.202/2015.
Na análise do dispositivo, é visível que são estabelecidos dois limites para a prerrogativa conferida à autoridade administrativa para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos: um limite de caráter material, atos com finalidade de “dissimular” e um limite de caráter normativo, em que se aponta a necessidade de procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Entendendo que o estudo do Direito Tributário gira em torno da constante tensão entre as prerrogativas do fisco e os direitos do contribuinte, é com embasamento nesses dois limites que deve ser realizada a interpretação do art. 116, parágrafo único do CTN.
Compreende-se por dissimular:
“usar de dissimulação, escondendo ou encobrindo os próprios sentimentos, desejos, desígnios etc.; não deixar aparecer; disfarçar, ocultar; aparentar o contrário do que realmente ocorre; esconder(-se) para não ser visto ou reconhecido; ocultar(-se).”.
Em matéria tributária, tem-se que dissimulação, também conhecida como simulação relativa, ocorre nos casos em que há dois negócios jurídicos: um que se expõe a terceiros – o “negócio simulado” e o que efetivamente ocorre de acordo com a vontade dos agentes, também denominado de “pacto simulatório”.
Sob a ótica do art. 116, parágrafo único, do CTN, o “pacto simulatório” seria o negócio jurídico que se tenta esconder, e que provocaria a ocorrência de um fato gerador ou exporia a existência de elemento constitutivo da obrigação tributária, enquanto o “negócio simulado” seria o exposto a terceiros com a finalidade de esconder, disfarçar, e que poderia ser desconsiderado.
Tal desconsideração, entretanto, deverá ser realizada através dos ditames a serem estabelecidos em lei ordinária, em obediência ao limite normativo imposto pelo art. 116, parágrafo único do CTN. O próprio dispositivo dispõe que, para fins de desconsideração de negócios jurídicos simulados, deverão ser observados procedimentos específicos e necessários para a aplicação integral da norma. Tais procedimentos, se existissem, garantiriam o devido processo legal administrativo, o exercício do contraditório e da ampla defesa, além de conferir maior segurança jurídica ao contribuinte.
Para que se compreenda a própria existência do art. 116, parágrafo único do CTN, necessário diferenciá-lo do art. 149, VII, do CTN, o qual informa que o lançamento é efetuado e revisto de ofício nos casos de dolo, fraude e simulação. Ora, para quem equipara a situação descrita no art. 116, parágrafo único do CTN à simulação, tais artigos compreenderiam a mesma situação.
Porém, a diferença naturalmente já vem à tona quando se questiona que, se fosse o caso, a edição do art. 116, parágrafo único do CTN seria inútil. Ao nosso ver, o parágrafo único prevê “procedimentos estabelecidos em legislação ordinária”, ainda inexistentes no ordenamento jurídico posto, para coibir situações especificas de dissimulação, ou seja, realizadas com a intenção de mascarar a ocorrência do fato gerador, conforme explicitado por Marco Aurélio Greco; por isso o tratamento diferenciado em relação ao art. 149, VII, do CTN, que dispõe sobre fiscalização tributária nos demais casos.
Assim, Marco Aurélio Greco, de forma precisa, aduz:
“Porém, o ponto central definidor na existência da norma é a existência do fato gerador mascarado. Vale dizer, não bastam existirem atos ou negócios que possam configurar fraude à lei, abuso de direito ou negócio indireto em si; indispensável é que tenham por finalidade servir de meio de mascaramento da ocorrência do fato gerador. Sem isto não se configura o pressuposto da norma do parágrafo único do artigo 116 do CTN.”
Superados, de maneira sumária, os principais aspectos parágrafo único do artigo 116 do CTN, verifica-se que a conclusão de que se trata de norma de eficácia limitada torna-se natural. A aplicação direta do art. 116, parágrafo único do CTN, assim, configura ilegalidade flagrante ao violar o limite normativo imposto. Ainda, resta impossível a sua aplicação direta no sentido em que se desconhece a autoridade administrativa competente para desconsiderar tais atos e o procedimento próprio a ser seguido.
Não obstante, há entendimento do CARF (processo nº 12448.737118/201269) no sentido de que o Decreto nº 70.235/72, que regulamenta o procedimento fiscal, suprimiria a necessidade de lei ordinária. Porém, não nos filiamos a esse entendimento, visto que ao CARF não é cabível apontar qual a lei a ser aplicável, ainda mais sem qualquer fundamento além dos princípios do dever fundamental de pagar tributos e da capacidade contributiva, com flagrante usurpação das funções do Poder Legislativo.
Além disso, o entendimento pela eficácia limitada do art. 116, parágrafo único, do CTN, foi adotado pela Min. Carmen Lúcia, relatora na ADI 2446; em seu voto, é mencionado que “A plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos.”. Importante mencionar, ainda, entendimento da Min. Eliana Calmon no REsp nº 1.107.518, no qual afirma que:
“Não há o que a doutrina chamou de poder geral da Administração tributária para desconstituir atos e negócios jurídicos (a chamada norma geral antielisão) já que o art. 116, parágrafo único, do CTN é norma de eficácia limitada, carente de lei para produzir efeitos.”
Sob a conjuntura exposta, justificado o entendimento ao qual nos filiamos, acerca da eficácia limitada do art. 116, parágrafo único, do CTN.
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Aldina Maria Rebelo e Silva é advogada desde 2013, especialista em Direito Tributário pelo IBET/PI, e aluna dos cursos de Planejamento Tributário e Recuperação Administrativa de Tributos pela ITS EDU.