Com o advento da Lei Complementar nº 190/2022, o nosso “manicômio tributário” começou o ano com força total!
A referida lei trata da cobrança do “diferencial de Alíquotas” do ICMS – DIFAL – que incide, mormente, sobre a circulação de mercadorias, nas operações interestaduais, quando da aquisição por consumidores finais.
Não restam dúvidas sobre a incidência tributária do ICMS, que é um imposto “por dentro” e está embutido no preço dos produtos, entretanto, paira a celeuma jurídica de, em que momento essa cobrança pode ser feita pelo Fisco Estadual. Ou seja, o contribuinte deve pagar o DIFAL imediatamente ou devemos respeitar os princípios tributários de Noventena e Anterioridade?
Eis a questão: pagar ou não pagar o DIFAL?
Vamos contextualizar?
- Breve Histórico
A Emenda Constitucional nº 87, de 16 de abril de 2015, alterou a sistemática de incidência do ICMS nas vendas de mercadorias e nas prestações de serviços a consumidores finais, não contribuintes, localizados em outros Estados, conferindo nova redação ao art. 155, § 2º, VII e VIII, da Constituição Federal de 1988. Além disso, instituiu disposições transitórias em relação à partilha das receitas correlatas.
Antes da EC 87/15, a redação da CF/88 era assim:
CF/88 Art. 155 § 2.º, VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se- á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual
Ou seja, nas operações interestaduais destinadas a NÃO contribuintes do ICMS, era adotada a alíquota interna do Estado de origem e o ICMS ficava todo para a UF do remetente. Veja:
Agora, vejamos como ficou APÓS a EC 87/2015:
Art. 155 (…) §2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;
(…)”
Então, o que mudou afinal? Basicamente você não precisa mais ficar fazendo um milhão de perguntas na hora de uma operação interestadual. A principal mudança foi que não importa mais se o destinatário da mercadoria é contribuinte ou não, pois SEMPRE será aplicada a alíquota interestadual para o Estado do remetente. E mais, o diferencial de alíquota ainda existe, mas agora ele também será aplicado se o destinatário do outro Estado for consumidor final não contribuinte do imposto. Isso se deve ao fato dos Estados “consumidores”, como Mato Grosso, terem lutado para reduzir um pouco as injustiças tributárias causadas pelo simples fato de a mercadoria sair dos Estados do Sul e Sudeste em sua maioria, a despeito de serem “consumidas” pelos Entes das regiões, N, NE e CO. Com isso, passamos a ter uma melhor equalização na repartição do ICMS nestas operações.
- Decisão do STF em 2021
Ocorre que, em março de 2021 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou inconstitucional a cobrança do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Difal/ICMS), introduzida pela Emenda Constitucional (EC) 87/2015, sem a edição de lei complementar para disciplinar esse mecanismo de compensação. A matéria foi discutida no julgamento conjunto do Recurso Extraordinário (RE) 1287019, com repercussão geral (Tema 1093), e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5469. Ao final do julgamento, os ministros decidiram que a decisão produzirá efeitos apenas a partir de 2022, dando oportunidade ao Congresso Nacional para que edite lei complementar sobre a questão.
Pois bem, A ADI 5469 foi ajuizada pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico contra cláusulas do Convênio ICMS 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que dispõem sobre os procedimentos a serem observados nas operações e nas prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outra unidade federada.
Segundo o STF, os estados e o Distrito Federal, ao disciplinarem a matéria por meio de convênio no Confaz, usurparam a competência da União, a quem cabe editar norma geral nacional sobre o tema.
Como resultado, segundo os votos dos relatores, a ADI 5469 foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade formal das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio ICMS 93/2015. No RE, foi dado provimento para reformar a decisão do TJDFT e assentar a invalidade de cobrança em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do Difal-ICMS, pela inexistência de lei complementar disciplinadora.
A tese de repercussão geral fixada no RE 1287019 foi a seguinte: “A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
Mas calma! Nem tudo são flores! Houve a chamada “Modulação de efeitos”
Os ministros aprovaram, por nove votos a dois, a modulação de efeitos para que a decisão, nos dois processos, produza efeitos a partir de 2022, exercício financeiro seguinte à data do julgamento, ou seja, as cláusulas continuam em vigência até dezembro de 2021, exceto em relação à cláusula 9ª, em que o efeito retroage a fevereiro de 2016, quando foi deferida, em medida cautelar na ADI 5464, sua suspensão. Segundo o ministro Dias Toffoli, autor da proposta de modulação, a medida é necessária para evitar insegurança jurídica, em razão da ausência de norma que poderia gerar prejuízos aos estados. O ministro salientou que, durante esse período, o Congresso Nacional terá possibilidade de aprovar lei sobre o tema. Ficam afastadas da modulação as ações judiciais em curso sobre a questão.
- Edição da Lei Complementar para regulamentar a cobrança do DIFAL
Logo na primeira semana de 2022, a presidência da República sancionou a Lei Complementar 190/2022. O objetivo? Regulamentar a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto. Trata-se de uma consequência do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.469.
Após a decisão do STF, com a tal modulação de efeitos, o que se viu a partir daí foi uma corrida para aprovar um projeto de lei complementar ainda naquele ano. Sabia-se que, do contrário, não seria possível exigir o DIFAL nas remessas interestaduais para não contribuintes do ICMS em 2022. O projeto foi proposto pelo Senado Federal, aprovado pelas duas casas em dezembro e sancionado em 5 de janeiro. Não há grandes novidades ou surpresas do ponto de vista material. O ponto de preocupação é outro. Quando a Lei Complementar 190/22 poderá produzir efeitos e, consequentemente, quando o Difal em operações de remessas interestaduais poderá ser exigido?
A celeuma se dá porque os Fiscos Estaduais entendem que não houve criação ou majoração do tributo (ICMS), sendo o DIFAL apenas uma modalidade de recolhimento, que for regulamentada.
Alguns Estados já se pronunciaram expressamente, mas MT ainda não publicou qualquer alteração legislativa, sendo então seguida a Nota Técnica nº 099/2021 da CDCR/SUNOR, a qual prevê a cobrança imediata em 2022.
Já os contribuintes defendem que a resposta está no artigo 150, III, “b”, da Constituição Federal, que veda a exigência de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que o instituiu ou a aumentou. Trata-se do princípio de anterioridade anual, que busca proteger os contribuintes de serem surpreendidos pelos entes tributantes, trazendo maior segurança jurídica à relação jurídico-tributária.
A necessidade de sua observância, na visão das empresas, é alinhada ao entendimento do próprio STF. Na ocasião do julgamento da ADI 5.469, o órgão assentou que a “EC nº 87/15 criou uma nova relação jurídico-tributária entre o remetente do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações com bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte do ICMS”. Por nova relação jurídico-tributária se traduz como a instituição de nova forma de tributação, sendo necessário, portanto, respeitar a anterioridade anual. Assim, defende que o Difal só pode ser exigido a partir de 2023.
Faz sentido, visto que, grosso modo, como o STF julgou o convênio inconstitucional, a lei, na prática, institui sim uma nova tributação.
Importante relembrar que a anterioridade tributária, sob a ótica constitucional, divide-se em duas frentes: (i) anterioridade anual; e (ii) anterioridade nonagesimal (alínea “b”). Segundo a Constituição Federal, ambas devem ser aplicadas, em regra, de forma conjunta; ou seja: o tributo instituído ou majorado somente poderá ser cobrado no exercício financeiro seguinte (próximo ano calendário), acrescido de 90 (noventa) dias. São normas, via de regra, complementares, que se aplicam em conjunto, em somatório.
Sem embargo, é importante ressaltar que a anterioridade tem por embasamento a segurança jurídica, a proteção da confiança na lei, a exclusão da surpresa fiscal (não surpresa) e a garantia ao prévio planejamento das finanças do contribuinte, constituindo cláusula pétrea instituída em favor dos contribuintes (art. 60, §4º da CF/88).
Deste modo, devem aguardar o posicionamento da SEFAZ/MT acerca da interpretação da LC 190/22, ou mesmo buscar socorro judicial visando a abstenção dos estados na cobrança do diferencial de alíquota do ICMS
Infelizmente, a expectativa é que essa celeuma seja levada ao Judiciário para posicionamento quanto ao caso concreto, o que já ocorreu em SP, com um indeferimento de liminar e uma concessão parcial (noventena).
A recomendação é que os contribuintes sigam a orientação exarada pelo órgão competente pela fiscalização, no caso do Estado de Mato Grosso, as obrigações, principal e acessórias, estão apresentadas no Portal do Conhecimento da SEFAZ.
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Forte Abraço e aguardemos as cenas dos próximos capítulos
Prof. André Fantoni