Os entes públicos possuem competência, outorgada pela Constituição Federal, para instituição e o lançamento dos tributos de sua alçada, conforme art. 145 e incisos:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
A atividade de lançamento tributário encontra-se previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional, onde o autor do feito deverá realizar o procedimento tendo em vista a ocorrência do fato gerador, nascendo a obrigação tributária, instaurando a relação entre o fisco e a administração pública. Após o ato de lançamento, abre-se a fase contestatória do lançamento com a possibilidade de o contribuinte apresentar defesa e eventual recurso voluntário:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Aperfeiçoado o lançamento, tomando como base os requisitos imprescindíveis do art. 142 citado, a administração pública poderá alterar o lançamento dentro do quinquídio previsto em lei e nos casos previstos no art. 145, inciso III e art. 149 e incisos, do CTN:
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.
Sem adentrar especificamente em cada inciso, podemos analisar que os aspectos que determinam a alteração do crédito tributário possuem uma limitação importante e que, diversas vezes, não é observado pelos julgadores administrativos, que é o erro de fato.
Os erros de fato têm relação com aspecto formais do lançamento, prazo para conclusão, emissão da DFE ou MPF, assinatura do Auditor Fiscal, esses pontos que não guardam relação com os elementos da regra matriz dos tributos. Por sua vez, o erro de direito tem relação direta com a base de cálculo, alíquota, sujeito passivo, penalidade, elementos primordiais traçados no art. 142 do CTN.
Superando a divergência acerca da diferenciação dos institutos, a jurisprudência tem posicionamento no sentido da impossibilidade da alteração do lançamento por erro de direito:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL.LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DOIMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO). RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO.POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO. 1. A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial),quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN.2. O ato administrativo do lançamento tributário, devidamente notificado ao contribuinte, somente pode ser revisto nas hipóteses enumeradas no artigo 145, do CTN, verbis: ” […] .6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.7. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento”.8. A distinção entre o “erro de fato”(que autoriza a revisão do lançamento) e o “erro de direito”(hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis: “Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo).‘Erro de direito’, por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. […] (STJ – REsp: 1130545 RJ 2009/0056806-7, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 09/08/2010, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/02/2011)
Trazendo à baila a prática dos tribunais administrativos estaduais, tem-se a inobservância do entendimento exposto nesse artigo e fundamentado em decisão do STJ. Verificando irregularidade no lançamento, em todas as hipóteses (erro de fato e de direito), os julgadores “baixam” os processos em diligência para que o autor do feito realize as alterações, seguindo para julgamento após a revisão do Auditor Fiscal.
Embora o princípio da autotutela seja basilar da administração pública, que confere ao estado o poder de anular seus atos administrativos, não é dado aos julgadores e autores do feito a discricionariedade relacionada a revisão do lançamento de forma absoluta, uma vez que o ato administrativo é estritamente vinculado ao prescrito na lei, conforme redação do art. 142, do CTN, impedindo que o fisco atue ilimitadamente neste aspecto, não podendo se imiscuir da observância legislativa.
Por essa razão, baseado na limitação imposta pela legislação colecionada, havendo erro de direito no lançamento, extrai-se que o mesmo deverá ser remetido para julgamento e decretação da sua NULIDADE POR VÍCIO MATERIAL, sem a possibilidade de refazimento nos moldes do art. 173, II do CTN:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Caso o entendimento não seja aplicado, é imperioso manejar ação judicial para anular as decisões administrativas contrarias, sucedendo o novo julgamento administrativo e aplicação correta da legislação infraconstitucional, conferindo estabilidade e segurança jurídica na relação entre fisco e contribuinte.
Porto Velho, 27 de julho de 2022.
Rafael Duck Silva
OAB/RO 5152