O constructivismo lógico-semântico representa um dos principais métodos de estudo do direito tributário na atualidade; criado pelo professor Paulo de Barros Carvalho e consagrado por intermédio de suas obras.
O presente artigo pretende, de forma sucinta, utilizando como fundamento grandes doutrinadores, apontar suas origens e condensar informações acerca da importância deste método não apenas para o estudo do direito tributário, mas como instrumento para a compreensão do direito como um todo.
1. O constructivismo lógico semântico e o “giro linguístico”
Consiste em uma metodologia criada pelo professor Paulo de Barros Carvalho, com base nos estudos desenvolvidos por Lourival Vilanova, para fins de estudo e sistematização do Direito Tributário. Tal método fora apresentado inicialmente no concurso para professor titular da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, com o título de “Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência”, prestando-se como instrumento de trabalho que identifica o fenômeno jurídico a partir da linguagem.
Trata-se de um método de se trabalhar o estudo do direito que procura dar mais firmeza, nitidez à mensagem jurídica, de modo que seja produzida com o rigor científico necessário.
Aurora Tomazini de Carvalho se utiliza do conceito da teoria dos jogos de linguagem, desenvolvida por Wittgenstein com base na teoria dos jogos, na qual cada forma de linguagem possui suas regras próprias, o que as torna diferentes das demais; ainda conforme estudo no mesmo sentido proposto por Tárek Moysés Moussalém, enunciados desenvolvidos dentro de um jogo linguístico não são capazes de confirmar ou infirmar enunciados desenvolvidos dentro de outro sistema linguístico diferente.
Partindo-se desse pressuposto, o constructivismo lógico-semântico busca, dentro do jogo da linguagem científica, e com o rigor que lhe é próprio, promover uma maior nitidez à mensagem jurídica através do discurso científico, de cunho descritivo, realizando o processo comunicacional de forma atenta às exigências formais da semântica e da sintaxe.
Tal busca pelo rigor científico com base em parâmetros linguísticos foi fortemente influenciada pelo “giro linguístico”, movimento filosófico inaugurado por Wittgenstein, que veio contrapor o status quo vigente à época, decorrente do que era difundido através da filosofia do conhecimento, na qual a relação cognoscitiva era estabelecida diretamente entre o ser cognoscente e o objeto de estudo, de modo que se acreditava que o processo de conhecimento ocorria conforme era possível se captar a essência do que era estudado, exercendo a linguagem função meramente instrumental, estabelecendo o elo entre sujeito e objeto.
Em sua obra Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein subverte tal perspectiva, na medida que insere a linguagem como elemento constitutivo da realidade vivenciada pelo sujeito. Explica-se: a partir da fase que se compreende como “giro linguístico”, a linguagem passou a ser encarada como elemento constitutivo da realidade, partindo-se do pressuposto de que tudo o que é captado pelo ser humano no processo de interação com o mundo fenomênico é apreendido em seu espírito através de um sentido atribuído a essa experiência e traduzido através da linguagem, tornando-se realidade para o sujeito. É importante asseverar, ainda, que o processo de sucessivas interações com a realidade e consequentes abstrações formadoras de significado através da linguagem é infinito, resultando em uma gama de construções de sentido.
Nesse cenário, considerando-se já inserido no presente contexto o papel constitutivo que a realidade exerce na construção da realidade experimentada, é de se concluir que tal raciocínio é aplicável ao âmbito do direito que, sendo resultado da produção cultural emanada pelo ser humano, possui como realidade a interação comunicacional entre seus agentes.
Superadas essas digressões acerca do impacto do “giro linguístico”, no que diz respeito à percepção do papel da linguagem na realidade do ser humano, volta-se as atenções ao próprio objeto de estudo deste artigo, o constructivismo lógico-semântico, cuja preocupação reside em analisar o direito como uma manifestação de linguagem, e seu estudo exige o aprofundamento na própria ciência que estuda a linguagem, qual seja, a semiótica.
2. Da semiótica
Conforme já exposto, o constructivismo lógico-semântico possui como diretriz a análise do fenômeno jurídico a partir da linguagem, o que torna por demais valioso o estudo da semiótica.
A semiótica, então, consiste no estudo da linguagem, sendo esse o estudo do signo e seus elementos.
Paulo de Barros Carvalho firma com seus leitores pacto semântico apto a serem fixados os termos, utilizados por Edmund Husserl: suporte físico, significado e significante, vejamos:
O falar em linguagem remete o pensamento, forçosamente, para o sentido de outro vocábulo: o signo. Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e uma significação, para aplicarmos a terminologia husserliana. O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada (ondas sonoras, que são matéria, provocadas pela movimentação de nossas cordas vocais no aparelho fonético) ou a palavra escrita (depósito de tinta no papel ou de giz na lousa). Esse dado, que integra a relação sígnica, como o próprio nome indica, tem natureza física, material. Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu significado; e suscita em nossa mente uma “noção”, ideia ou conceito, que chamamos de “significação”
Conforme delimita Aurora Tomazini de Carvalho, signo consiste em tudo que representa algo a alguém, tal como uma caneta, um copo, um gesto, etc. Signo, então, é resultado da relação lógica entre os três aspectos expostos anteriormente, quais sejam: suporte físico, significado e significação.
Consiste em suporte físico a parte exteriorizada do signo, com a qual o ser humano entra em contato para fins de interação, sendo assim o estímulo inicial que gera a reação psíquica decorrente do processo de intelecção.
O suporte físico possui correlação específica com uma definição pré-existente, convencionalmente aceita por todos os usuários da língua em questão, correspondente ao significado, e é apto a provocar na mente de quem entra em contato um conceito, uma abstração, correspondente a sua significação.
Convém asseverar acerca da confusão que ocorre comumente entre as definições de significado e significação. Enquanto significado consiste em uma descrição objetiva do conteúdo do signo, significação consiste na ideia específica que cada pessoa desenvolve quando entra em contato com o suporte físico em determinado contexto.
Nessa abordagem, verifica-se que o contexto é elemento de suma importância para a delimitação dos significados e significações possíveis que um suporte físico pode exprimir, resultando assim no signo adequado para cada situação.
Partindo para a análise concreta decorrente de toda a explanação ora exposta, tem-se como exemplo a palavra “caneta” como signo. Tal signo possui, como suporte físico, a palavra “caneta”, que pode tanto ser gravada com tinta sobre um papel ou emitida a partir de ondas sonoras por uma pessoa. Possui como significado definição decorrente de convenção conhecida por todos os usuários da língua portuguesa como um “utensílio contendo tinta ou similar com que se pode escrever ou desenhar”. Já a significação consiste no resultado abstrato decorrente do esforço mental que cada pessoa realiza quando entra em contado com o suporte físico em determinado contexto, por exemplo, para um médico renomado, o suporte físico “caneta” pode vir com a noção de um artigo de luxo, enquanto, para uma criança, o suporte físico “caneta” pode representar a noção de um item lúdico, colorido, utilizado para desenhos e brincadeiras.
Tais definições de signo e seus elementos inter-relacionais (suporte físico, significado e significante) são muito importantes para o estudo do constructivismo lógico-semântico, no sentido em que tais elementos da semiótica auxiliam na compreensão da própria linguagem, tanto prescritiva, no caso do direito positivo, quanto descritiva, no caso de estudo da ciência do direito.
Como exemplo da importância do estudo da linguagem e dos signos, tem-se um dos conceitos de norma estabelecido por Paulo de Barros Carvalho, in verbis: “A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito.”. Naturalmente, um único texto originar significações diferentes, conforme as noções diversas que os termos utilizados na proposição normativa provoquem nos intérpretes.
Nesse enquadramento, utiliza-se do conceito de significação para conferir maior rigor para a descrição do que é norma jurídica e onde ela se enquadra nos parâmetros do estudo da linguagem.
3. Do Constructivismo Lógico-Semântico como forma de aproximação do dado jurídico com o intérprete
Paulo de Barros Carvalho, em seu clássico Linguagem e Método, assim expõe acerca da função do método:
“Entre a camada linguística do chamado direito positivo e a realidade social, tomada na porção das condutas interpessoais, há uma multiplicidade de modos de aproximação, um número crescente de enfoques temáticos, representando cada qual uma forma de corte metodológico com que o ser cognoscente trava contato com o objeto do conhecimento. Provém dessa dificuldade a opção pelas concepções reducionistas, seja na vertente do jusnaturalismo, seja na do positivismo ou do realismo.”
O enfoque oferecido pelo professor demonstra exatamente o espírito do método, apto a realizar a aproximação entre o objeto de estudo e o intérprete que, dotado de rigor técnico, deve utilizar a linguagem como veículo delimitador e vetor de controle da construção do sentido que se pretende produzir.