A alienação, por pessoa física, de bens ou de direitos está sujeita à incidência do Imposto de Renda (IRPF) sobre o ganho de capital. Este, em linhas gerais, pode ser compreendido como a diferença positiva entre o valor da aquisição do referido bem/direito e o seu preço de venda.
A Lei nº 8.981/95, em seu artigo 21, dispõe que o ganho de capital que não ultrapassar R$5 milhões será tributado à alíquota de 15%. Tais alíquotas são progressivas (15% – 17,5% – 20% – 22,5%), sendo esta última aplicada nos casos em que a parcela dos ganhos ultrapassar R$ 30 milhões.
Em se tratando de venda de imóveis residenciais, a Lei nº 11.196/05 (conhecida como “Lei do Bem”) assegura a isenção do imposto. Para tanto, o alienante deve aplicar os recursos obtidos com a venda na aquisição de outro imóvel localizado no país, respeitando-se o prazo de 180 dias contados da celebração do contrato de venda (art. 39).
Aqui reside a grande controvérsia. Para ilustrar, cita-se o caso de um casal que vendeu o seu imóvel residencial em março de 2015 e, nesse mesmo mês, aplicou parte dos recursos obtidos para quitar outro imóvel (também residencial e localizado no Brasil), liquidando um financiamento firmado em 2012. Considerando a isenção prevista na “Lei do Bem”, recolheu o IRPF apenas sobre o montante do ganho de capital não utilizado para quitar o financiamento.
Ocorre que a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Instrução Normativa nº 599/05, possuía o entendimento de que a referida isenção não se aplica “à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante” (art. 2º, § 11, inciso I).
A mencionada Instrução Normativa, de maneira flagrantemente ilegal, restringiu o alcance da “Lei do Bem”, suscitando a necessidade de se buscar a tutela do Poder Judiciário. O caso em questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), possuindo a Relatoria da Ministra Regina Helena Costa (REsp 1668268/SP).
Em seu voto, afirmou que, para fins de isenção, “o legislador ordinário condicionou sua outorga apenas ao preenchimento dos seguintes requisitos: i) tratar-se de pessoa física residente no País; ii) alienação de imóveis residenciais situados em território nacional; e iii) aplicação do produto da venda no prazo de 180 dias na aquisição de outro imóvel residencial no País”.
No seu entender, a norma prestigia “a aplicação, é dizer, a utilização dos recursos gerados no próprio setor imobiliário, numa concepção mais abrangente e razoável que a aquisição de um imóvel “novo”, condição esta defendida pelo Fisco, a qual, todavia, ressente-se de previsão legal”.
Diante dessa, e de diversas outras vitórias dos contribuintes no âmbito do STJ, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) incluiu a questão na sua “Lista de Dispensa de Contestar e Recorrer”. Esta elenca, de forma exemplificativa, os temas decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pelos Tribunais Superiores de maneira favorável aos contribuintes (art. 2º, V, VII e §§ 3º a 8º, da Portaria PGFN nº 502/16 – vide item 1.22 da referida lista – “aa”).
Ademais, recentemente, a RFB publicou a Instrução Normativa nº 2.070/22, para fins de abarcar a “hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante” (art. 1º). Com isso, revogou-se o art. 2º, §11, inciso I, da Instrução Normativa nº 599/05.
No entanto, importante notar que a alteração visa somente a tutelar, agora de forma expressa, um direito dos contribuintes que já vinha sendo reconhecido judicialmente (REsp 1668268/SP; REsp 1674187/SP; REsp 1469478/SC). Portanto, não se trata de uma nova hipótese de isenção, mas, sim, de assegurar, à “Lei do Bem”, a sua correta interpretação.
Desta feita, caso tenha ocorrido a tributação, os alienantes de imóveis que se enquadrem na referida hipótese poderão avaliar eventual direito à recuperação dos valores indevidamente pagos, desde que respeitada a prescrição quinquenal (5 anos a contar da venda do imóvel).
Normativo: Lei nº 8.981/95, art. 21. Lei nº 11.196/05, art. 39. Instrução Normativa RFB nº 599/05, art. 2º, § 11, inciso I. Instrução Normativa RFB nº 2.070/22, arts. 1º e 2º. Portaria PGFN nº 502/16, art. 2º, V, VII e §§ 3º a 8º. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1668268/SP; REsp 1674187/SP; REsp 1469478/SC.