O Direito Tributário, de modo resumido, debruça-se para estudar a legislação tributária no brasil, para melhor compreender a relação entre os contribuintes e o fisco. Nesse diapasão, atualmente há críticas fortes ao Sistema Tributário Brasileiro, inclusive direcionando as mudanças em busca pela igualdade de gênero prevista constitucionalmente e em busca de métodos e políticas que visam alcançar a justiça fiscal.
É pertinente reforçar que o machismo e o preconceito de gênero estão enraizados na cultura histórica do Brasil e isso fica evidenciado numa perspectiva social e política. No entanto, o debate jurídico acerca de discriminação de gênero exige concentração especial diante das particularidades e direitos específicos conferidos as mulheres.
Nessa realidade, o estudo das perspectivas tributárias de gênero é recente, e ainda carece de muita informação e estudo especifico para alcançar definições e esclarecimentos necessários à devida fundamentação de políticas sociais e legislativas que possam ser vistas como mecanismos jurídicos realmente eficazes no combate a discriminação de gênero.
Ocorre que, formalmente, a legislação brasileira não apresenta nenhum dispositivo legal tributário que traga essencialmente de um privilégio exclusivamente masculino, e que, de outro lado, também não há um dispositivo especifico que tenha como objetivo prejudicar as mulheres enquanto contribuintes. Essa é uma constatação do que está explicito, ou seja, quanto ao que há na “letra fria da lei”.
Mas não se pode manter o estudo da discriminação de gênero tributária focada em uma análise legislativa, pois minimizaria os prejuízos alcançados pela desigualdade fiscal.
Em aprofundado estudo, é necessário observar as minúcias e particularidades implícitas no método escolhido pelo Brasil para recolher a tributação dos contribuintes, pois estão nos pormenores as questões de gênero que resultam em políticas fiscais que, embora não estejam explicitamente direcionadas as mulheres, mas, na prática geram prejuízos as mulheres.
Inicialmente tem-se o caso da pensão alimentícia, onde, o benefício em questão é tributável para a pessoa que recebe o crédito do valor, no entanto, para a pessoa responsável pelo pagamento este instituto é dedutível. Vale ressaltar que os valores alimentares não tem características de renda, aumento de patrimônio ou proventos resultante de contrapartida laboral, sendo assim, há questionamento acerca dessa tributação, de modo que veio a resultar na ADI 5.422/DF, uma ação proposta pelo IBDFAM, e que requer que seja declarada a inconstitucionalidade da tributação de renda dos valores provenientes da pensão alimentícia.
Ou seja, atualmente, a legislação prevê o recolhimento tributário aos valores recebidos à título de pensão alimentícia, conforme Art. 3º §1º da Lei 7.713/88 e Art. 54 do Decreto Nº 3.000/99. A discussão trazida quanto a tributação da pensão alimentícia fundamenta-se na bitributação, na visão do Ministro Luís Roberto Barroso, que faz o seguinte apontamento em seu voto na ADI 5.422/DF: “Não sei como nunca antes foi contestada a tributação dos alimentos, quando é evidente que a renda familiar só pode ser tributada uma vez, e a pensão alimentícia é tributada duas vezes. Não importa se o casal está separado, a renda é uma só: do provedor, que já paga imposto de renda quando recebe o salário. Só porque está divorciado ou separado não deixou de constituir uma família. Os filhos não deixaram de ser seus dependentes.”
Ademais, em outra ótica, questiona-se o conceito legislativo para incidência do Imposto de Renda do que seriam proventos de toda natureza e rendimentos brutos, já que não se trata aumento do patrimônio e sim, de manutenção da sobrevivência do alimentando, que é o fundamento trazido pelo relator no processo de ADI 5.422/DF, onde o ministro Dias Tofolli entende que: “Alimentos ou pensão alimentícia oriunda do direito de família não são renda nem provento de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos (acréscimos patrimoniais) recebidos pelo alimentante para serem dados ao alimentado”.
O presente debate exige maior dedicação para conclusão, contudo, pode-se concluir que há divergência que prejudica as mulheres, levando em consideração que a maioria das fontes pagadoras da pensão alimentícia são homens, bem como, é mais comum e numericamente mais expressivo o fato de que aqueles que recebem valores a título de alimentos, ou seja, os credores, são mulheres, e estas, dada legislação atual devem fazer o recolhimento da tributação incidente na pensão.
Outro tópico que evidencia a injustiça fiscal, e que se aproxima dos mesmos questionamentos acerca da pensão alimentícia, é a tributação do salário-maternidade. Este tema foi amplamente debatido e já julgado pelo STF no Recurso Extraordinário Nº 576.967, no qual entendeu-se que o “salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e demais rendimentos (…). Como consequência, não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador, não encontrando fundamento no Art. 95, I, a da Constituição Federal.”
O debate sobre discriminação de gênero na tributação fica mais acentuado e separa opiniões quando se trata do ICMS e IPI, de produtos voltados para o público feminino, como é o caso dos absorventes. Sucede-se que, o principio da seletividade é um princípio jurídico norteador do ICMS e do IPI, e isso significa que itens de consumo vistos como essenciais, devem receber uma tributação menor, mais baixa, do que itens considerados supérfluos.
A questão passa a ser: o absorvente é um item essencial ou não? O fato é que trata-se de um item essencial para as mulheres, e sendo assim, embora incida sobre os mesmos alíquota zero do IPI, os absorventes higiênicos podem chegar a ter tributação com incidência que chega a 34,48%, tendo em vista ICMS, PIS e COFINS, de acordo com o Impostômetro da Associação do Comércio de São Paulo. Em Geral, a alíquota interna do ICMS em Pernambuco que abrange absorventes higiênicos é de 18% conforme Art. 15, Inc. VII, ‘a’ da Lei Estatual Nº 15.730/2013 de Pernambuco.
No entanto, com base na mesma legislação, as operações com gipsita, gesso e derivados, a alíquota no Estado de Pernambuco é de 7% (Art. 15 Inc. VI, ‘b’), ou seja, uma alíquota 11% menor do que a alíquota geral que é aplicada para os absorventes, mesmo esse sendo um item de consumo essencial para as mulheres. Fica aqui a crítica, o que é realmente essencial para as pessoas, os absorventes higiênicos ou o gesso e produtos decorrentes?
O fato é que há discrepâncias entre a realidade fática e os dispositivos legais tributários, e não obstante a discrepância legislativa, nas hipóteses em que não há prejuízos explícitos, os efeitos negativos causados pelos dispositivos legais às mulheres são notados e evidenciam a desigualdade tributária advinda da injustiça fiscal com base no gênero.
Nesse diapasão, a regulação do mercado e do sistema econômico fez surgir vários estudos e debates sobre o pink tax, ou ‘taxa rosa, que, embora não se trate de um tributo especificamente, reflete diretamente nas políticas fiscais. O pink tax ou taxa rosa, é uma expressão que utilizada para retratar a diferença no preço dos bens de consumo que são direcionados para o público feminino.
Ou seja, bens e produtos que, embora sejam idênticos, os preços praticados pelo mercado tendem a encarecer o valor quando há direcionamento de rótulos ou adaptações necessárias para atender as mulheres. Mesmo havendo produto similar para uso masculino com valor menor, essa discrepância fica ainda maior no caso dos absorventes, já que não há produto similar que seja direcionado aos homens, ou seja essa contribuição é custeada exclusivamente pelas mulheres em idade fértil no país.
Esta oportunidade não é capaz de exaurir a discursão do tema em questão, ainda assim, não podemos deixar de arrazoar e trazer a tona o debate. As controvérsias quanto as discriminações de gênero são amplas e com raízes aprofundadas que exigem disposição e interesse na pauta. É assim que o diálogo se evidencia e trás consigo a oportunidade para mudanças reais.