Victor Moury Fernandes
A compensação tributária é uma modalidade de extinção do crédito tributário, que o extingue sob condição resolutória de sua posterior homologação (art. 156, II, do CTN c/c art. 74, §2o, da Lei nº 9.430/96).
Em linhas gerais, o instituto pode ser definido, segundo um conceito doutrinário mais clássico, como “o encontro de contas entre duas pessoas que sejam ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, de modo que os débitos e os créditos se extinguem reciprocamente”. Em termos mais simples, pode ser entendido como a utilização de créditos para compensar com débitos que o contribuinte detenha perante a mesma Fazenda Pública.
No Código Tributário Nacional, a compensação está disciplinada pelos artigos 170 e 170-A, que prescrevem, respectivamente:
Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
Com efeito, sobre o artigo 170 do CTN, pensamos que esse dispositivo, quando estipula que a compensação é uma faculdade do legislador de cada Ente, não confere a esse legislador uma permissão irrestrita para dificultar o direito do contribuinte de compensar.
Nesse sentido, se é verdade que a Lei não pode embaraçar completamente o direito à compensação sem a observância da proporcionalidade, essa previsão tampouco permite ao legislador a aniquilação do crédito do contribuinte. Nesse sentido, inclusive, o magistério de Roberto Cordoniz Leite Ferreira, com o qual concordamos inteiramente:
O art. 170 do CTN não pode ser interpretado como uma norma de competência que confere liberdade ampla e irrestrita ao legislador ordinário para condicionar o exercício do direito à compensação a limitação e penalidades […] a expressão “a lei pode autorizar […] a compensação” não permite que, ao autorizar a compensação o legislador venha a anular, no todo ou em parte, o direito creditório do contribuinte.
[…]
Contraria a ideia de consistência, enquanto condição para a coerência normativa, pressupor que, ao autorizar que o legislador viesse a disciplinar a compensação, este viesse a aniquilar no todo ou em parte o crédito a ser compensado mediante a imposição de condições e restrições excessivas.
Inclusive, a corroborar as conclusões do eminente professor, é preciso deixar claro que o direito à compensação está protegido sob manto do direito fundamental à propriedade privada (art. 5º, XXII, da Constituição Federal), não podendo o legislador, como temos sustentado, dificultar a compensação sem fundamento legítimo ou mesmo aniquilar o crédito do contribuinte.
Como o artigo 170 do Código Tributário Nacional afirma que “a lei pode […] autorizar a compensação”, está implícito, na norma, que a Lei também pode criar vedações legais ao direito de compensar. Na esfera federal, essas vedações estão previstas, principalmente, nos artigos 75 e 76 da IN RFB nº 1.717/17, e no art. 74, §3º, da Lei nº 9.430/96. E é sobre a compensação dos tributos federais que teceremos considerações mais relevantes.
Com efeito, o contribuinte deve adotar postura de zelo e diligência na hora de efetuar as suas compensações, verificando quais são as vedações no momento do encontro de contas com a Fazenda Pública, que ocorre justamente no momento do envio da declaração de compensação (DCOMP).
Ou seja, em matéria de vedações legais à compensação tributária, aplica-se a lei vigente no momento do encontro de contas promovido, que ocorre exatamente no envio da declaração de compensação, via PERDCOMP, como decido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.137.738/SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973.
Deve-se realçar, no entanto, que a Receite Federal, na Solução de divergência COSIT nº 23, de 17 de agosto de 2011, exarou entendimento no sentido de reconhecer a possibilidade da compensação, mesmo quando a decisão judicial tenha permitido apenas a compensação com débitos de tributos da mesma espécie, desde que haja Lei superveniente que autorize a compensação entre tributos de espécies distintas.
E ainda sobre o tema das vedações legais, uma importante inovação legislativa veio unificar o regime das contribuições previdenciárias e o regime dos demais tributos, permitindo que o contribuinte faça a compensação entre essas espécies tributárias. Trata-se da Lei nº 13.670/18, que acrescentou o artigo 26-A à nº Lei nº 11.457/07.
Com efeito, o que a Lei nº 13.670/18 fez, foi permitir que o contribuinte efetue a chamada “compensação cruzada”, ou seja, que possa compensar débitos/créditos de contribuições previdenciárias com débitos/créditos dos demais Tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Apesar disso, é importante salientar que a Lei limitou a possibilidade da compensação cruzada a algumas condicionantes, entre as quais se destacam duas, quais sejam: I) O contribuinte deve utilizar o eSocial para apurar as contribuições previdenciárias; II) tanto os créditos quanto os débitos devem ser posteriores à implantação do eSocial.
Sobre o ponto, consideramos que houve uma restrição indevida ao direito de crédito e ao direito subjetivo de compensar, não passando, a limitação, no teste de proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito).
Inclusive, a questão é tão séria que a vedação legal pode chegar à desmedida de aniquilar o crédito pela falta de débitos a compensar. Deve-se lembrar, nesse sentido, que o contribuinte dispõe de um prazo para efetuar as compensações.
Não obstante, existem algumas decisões muito pontuais que permitiram a alguns contribuintes a compensação com créditos anteriores ao eSocial, como a proferida no Mandado de segurança nº 5021593-13.2020.4.03.6100, que ainda permanece eficaz até a data da confecção deste artigo.
Nesse sentido, visando afastar a condição imposta para a compensação cruzada, algumas empresas têm tentado buscar o judiciário. Contudo, diante do caráter precário de uma decisão liminar, é preciso meditar bastante sobre o uso de uma decisão desse tipo e os riscos envolvidos.
Certo é, contudo, que empresas com pouco caixa e despesas altas com folha de pagamento podem ser as principais beneficiadas com esse tipo de decisão, uma vez que a compensação gera a preservação do caixa, evitando o dispêndio de recursos de maior liquidez para o pagamento dos tributos previdenciários.
E ainda sobre a limitação em comento (débito e crédito posteriores ao eSocial), a Receita Federal, editou a Solução de consulta COSIT nº 50, de 25 de março de 2021, tendo consignado o seguinte com relação aos créditos de períodos de apuração anteriores, reconhecidos em processos com o trânsito em julgado após a implantação do sistema:
Não se confundem: a) a “apuração” da obrigação tributária e b) a restrição que impede a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, vedação prevista no art. 170-A do Código Tributário Nacional.
[…]
é incabível a compensação de débito de contribuições previdenciárias de período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil reconhecido em decisão judicial transitada em julgado, relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial, sendo irrelevantes a data do trânsito em julgado e a data da habilitação administrativa do crédito. (grifos nossos).
E sumariando o entendimento da RFB, tem-se:
Assim, nem a data do trânsito em julgado da ação judicial nem a data da habilitação administrativa do crédito decorrente de decisão transitada em julgado devem ser utilizadas para a aplicação da vedação a que se refere a alínea “b” do inciso I do § 1º do art. 26-A da Lei nº 11.457, de 2007. O trânsito em julgado é evento que se deve verificar para a aplicação da vedação prevista no art. 170-A do Código Tributário Nacional, mas que não é aplicável para fins da vedação da alínea “b” do inciso I do § 1º do art. do art. 26-A da Lei nº 11.457, de 2007.
Ocorre que, como cediço, se o crédito a ser reconhecido judicialmente for de um período de apuração anterior ao eSocial, só poderá ser habilitado e utilizado para compensar após o trânsito em julgado (art. 170-A do CTN). Nesse sentido, se o trânsito em julgado for posterior à implantação do eSocial, seria razoável admitir a compensação ao argumento de que, antes do trânsito em julgado, o crédito não poderia ser utilizado para compensar.
Por derradeiro, a compensação que for efetuada sem que se observe as limitações/vedações do artigo 74, §§3º e 12, da Lei nº 9.430/96, as vedações dos artigos 75 e 76 da IN RFB nº 1.717, de 2017, e as demais porventura existentes, será considerada como não declarada, o que sujeita o contribuinte a uma multa de 75% sobre o valor total do débito indevidamente compensado, podendo o percentual ser aplicado até o dobro nos casos de sonegação, fraude e conluio (artigo 18, §4º, da Lei nº 10.833/03).
1. REFERÊNCIAS:
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5. 172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 02 jun. 2021.
BRASIL. Solução de consulta cosit nº 50, de 25 de março de 2021. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=116524. Acesso em: 02 jun. 2021.
FERREIRA, Roberto Cordoniz Leite. Compensação no direito tributário, proporcionalidade e segurança jurídica. Revista Direito Tributário Atual, n. 46, p. 416. São Paulo: IBDT, 2º semestre. Quadrimestral.
SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária; coordenação: IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; obra póstuma. São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1975, p. 115.