Hoje iremos falar sobre um tema que volta e meia ficamos sabendo, mas nunca paramos para entender o que de fato ocorre: trata-se do caso de amor e ódio entre famosos e a Receita Federal do Brasil.
Sabe aqueles artistas, jornalistas, atletas e todos aqueles que estamos acostumados a acompanhar na televisão? Pois bem, é muito comum a gente receber uma notícia de que a RFB tá autuando um deles por conta de fraude nas suas declarações e contribuições.
Mas qual o motivo disso acontecer?
Simples, para deixar bem claro, vamos nos ater aos casos dos atores de telenovela. Um ator X, no auge de sua carreira, evidentemente possui um cachê centenas de vezes maior (para não dizer milhares) maior do que seu colega em início de carreira, e que tal enorme quantia somente se justifica pela fama e prestígio que seu nome traz à novela e ao restante do elenco.
Esse cachê é pago durante um período não determinado de tempo, de forma que ao terminar uma novela, ele possui outros compromissos com a televisora, às vezes sequer relacionado ao trabalho em supracitado, seja em comerciais, seja em participação em programas de terceiros, mas todos da grade televisiva de sua contratante.
Por fim, este profissional está contratualmente obrigado a cumprir os horários estipulados de forma assídua, ou seja, deve ser pontual com seus compromissos, e ainda deve obedecer a todas determinações dos prepostos da empresa, sob pena de ser penalizado ou até rescindido o contrato.
Pois bem, alguém duvida que seja exatamente assim a rotina profissional de um artista de televisão?
Nem eu.
Mas afinal, qual o problema disso? Qual motivo dessa exposição toda?
A questão é muito simples, todos esses famosos estão tendo problemas com a Receita Federal pelo mesmo motivo, apenas a denominação que de tempos em tempos que se altera: simulação, fraude, omissão de receita.
Esses artistas acabam sendo aconselhados de forma incorreta, para criarem uma pessoa jurídica que receberia todas as receitas de seus “contratos de prestação de serviço” que são prestados exclusivamente pelo próprio sócio, não sendo incomum que essas empresas sequer possuam funcionários e que toda receita ingressada seja imediatamente repassada para as contas pessoais do artista.
Essa abertura de empresa se dá com um único objetivo: a drástica redução de impostos sobre o “faturamento” do artista, que deixa de pagar até 27,5% de Imposto de Renda para suaves 15% IRPJ, CSLL, PIS/COFINS, etc.
E é nesse momento que é fundamental termos uma visão interdisciplinar do direito, nesse caso, precisamos nos apoiar nos conceitos do Direito do Trabalho.
Observando a rotina do artista exposta acima, podemos perceber claramente que estão presentes a pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação, todos elementos caracterizadores de uma relação de emprego.
Ou seja, estávamos a frente de uma relação de EMPREGO e não de TRABALHO, portanto a pessoa jurídica e todo arranjo tributário empregado na verdade não passava uma fraude.
E assim que a RFB passou a autuar centenas de famosos por este motivo.
Ocorre que em 2021 o Supremo Tribunal Federal, na ADC 66, decidiu pela constitucionalidade do artigo 129 da lei 11.196/2005, que possui a seguinte redação:
“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Vide ADC 66)”
O artigo 50 do Código Civil, apresenta as duas exceções:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Então Roberto, tá liberado o uso de pessoa jurídica por artistas para pagar menos impostos?
Sim e não.
Sim, porque de fato a lei autoriza a tributação por meio de PJ, MAS, desde que efetivamente seja uma empresa, ou seja, não haja desvio de finalidade da mesma ou ainda confusão patrimonial entre o sócio e a sociedade, leia-se: o artista somente poderá receber um prolabore e participação nos lucros da empresa, devendo esta divisão respeitar os limites legais desse rateio.
E não, nunca será possível ser praticado da forma que estava ocorrendo antes, em que havia uma empresa apenas no papel, como uma mera formalidade sem observância da legislação empresarial.
De toda forma, a RFB ainda continua perseguindo aqueles contribuintes que, a seu ver, continuam cometendo fraude, deixando claro que essa questão ainda está longe de ser solucionada em definitivo.
Um abraço a todos.