Após longos debates, no último dia 03, o Supremo Tribunal Federal pôs fim a celeuma acerca da
tributação do Imposto de Renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos
pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias através do julgamento da
ADI n. 5422 sob relatoria do Min. Dias Toffoli.
Na ocasião, por maioria dos votos a Corte julgou
inconstitucional os art. 3o, § 1o da Lei n.7.713/88 e arts.5o e 54 do Dec. 3000/99, atualmente
revogado pelo Dec. 9.580/2018, mas que à época ainda em pleno vigor.
Tecnicamente, o debate em pauta versou sobre a hipótese de não incidência do IRPF e para
tanto, alguns conceitos e princípios constitucionais tiveram que tornar a baila, manifestando a
importância do controle de constitucionalidade em matéria tributária.
Precipuamente, o questionamento da competência o STF e a legitimidade da autoria da IBDFAM
foram destacados pelo Ministério Público e AGU sob os argumentos de que os impactos
econômicos ao erário público causados pela a decisão, seriam de competência do Congresso
Nacional, assim como, por se tratar de controle concentrado de constitucionalidade não caberia
ao Instituto Brasileiro de Direito de Família propor tal ação, uma vez que não se caracteriza como
entidade de classe.
Contudo, ambos os argumentos foram apreciados e sanados sem nenhum prejuízo ao
pretendido. Sobre o primeiro prisma, foi reconhecido a competência do STF pelo mérito do
questionamento da inconstitucionalidade da Lei e Decreto. E, quanto ao segundo, o Instituto foi
reconhecido por atuar como força representativa nos cenários nacional e internacional e
instrumento de intervenção político‐científica, ajustados aos interesses da família.
Outro destaque está na possibilidade de reconhecer a inconstitucionalidade da Lei por hoje estar
havendo o fenômeno bis in idem, aqui, duas grandes vertentes surgiram no debate, vejamos!
Segundo o voto do Relator, o alimentante já tributou o IR e quem recebe também estaria
tributando sobre o mesmo fato gerador. Esse entendimento fora divergido posteriormente no
relatório do Min. Gilmar Mendes, o qual de forma exemplificativa, alega que o alimentando não
paga o referido imposto uma vez que esse valor pago a título de pensão é deduzido da sua base
de cálculo.
Por outro lado, observamos que a “dedução” não pode ser considerada como hipótese de não
incidência do tributo, tendo em vista que apenas a imunidade e a isenção atenderiam a essa
premissa. Em outras palavras, ainda que escolha e possibilidade de deduzir o valor, não
significaria que este não tenha a obrigação jurídica tributária.
O conceito de renda e proventos também foi peça chave desse julgamento, pois é sabido que a
materialidade do Imposto de Renda está no fato gerador da aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza. Assim, ambos casos
denotam‐se um “acréscimo patrimonial”, uma riqueza nova, conforme disposição do próprio
CTN e compreensão do Ex Min. Carlos Velloso em julgados anteriores, segue:
“o conceito de rendas e proventos implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito,
ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante ingresso ou o auferimento de algo, a
título oneroso.” (grifo nosso)
Certamente, ao ser tributado(a) o recebedor(a) da pensão alimentícia tem sido juridicamente
equiparado com aqueles adquirentes de novasriquezas patrimoniaistornando‐se titular de uma
disponibilidade (econômica e/ou jurídica), onde na realidade, tais valores são meramente
transferidos de forma gratuita e com finalidade específica. Por esta razão, as divergências
conceituaissobre a renda e proventosfoi brilhantemente elucidado na Doutrina pelo Dr. Ricardo
Mariz de Oliveira, ipsis litteris:
“Após a Lei Complementar n. 104, o art. 43 do CTN, que até então conhecia apenas os termos
‘renda’ e ‘proventos de qualquer natureza’, passou a reconhecer que rendas e proventos
correspondem a receitas ou rendimentos, que são frutos vindos de fora do patrimônio, mas
gerados por ele ou por seu titular.” (grifo nosso)
Nesse liame, o mesmo autor esclarece que a receita tem caráter contraprestacional e o
rendimento um ganho gerado de uma receita anterior, consequentemente, a mera
transferência patrimonial da pensão alimentícia não se enquadraria com nenhuns esses
aspectos.
Não obsta fortalecer que a pensão alimentícia visa garantir o mínimo existencial, ou seja, o
básico necessário dentro de uma ótica da vida do alimentado, respeitando suas condições
financeiras e sociais. Essas garantias estão fortemente abalizadas nos princípios constitucionais
da proteção a família, solidariedade, direito social, proteção a dignidade da pessoa humana,
direito da personalidade, obrigação de sustento, dentre outros.
Por conseguinte, como fundamento o Direito Tributário se alinha com as definiçõestrazidas pelo
demais ramos do direito privado ‐ em tela, o Direito de Família – não podendo afetá‐las e/ou
alterá‐las para definir ou limitar competências tributárias.
Outra pauta rica e de suma importância que foi trazida neste julgamento é a da Tributação e
Gênero, pois é cediço que no Brasil são as mulheres que suportam a maior carga tributária e são
elas que na maioria das vezes recebem a pensão alimentícia de seus filhos, em contrassenso
com o salário ou renda mais baixa que os homens.
Ao abordar as deduções no imposto de renda relativamente ao pagamento de pensões
alimentícias recebidas por mulheres temos apenas 390 milhões de reais em face ao total de
15,67 bilhões de reais declaradas no IRPF 2021 – Ano Cal 2020, representando um percentual
de irrisório de 0,0002% desse total.
Evidenciamos claramente com esses dados que “A incidência do imposto de renda sobre pensão
alimentícia configura, portanto, regra discriminatória que não encontra respaldo no texto
constitucional”, conforme mencionado pelo Min. Luís Roberto Barroso em seu voto‐vista.
Logo, neste cenário percebemos também a ascensão do princípio constitucional da “capacidade
contributiva” ou “capacidade econômica”, sendo compreendido objetivamente como a
presença de uma riqueza passível de ser tributada na proporção das condições individuais, o
que não fica demonstrada in casu, ao invés, tais valores visam auxiliar no sustendo e cuidado
com o alimentado.
Como solução, em seu voto o Min. Gilmar Mendes relembra a possibilidade das declarações
serem feitas em nome dos filhos (as) a fim de evitar a tributação, entretanto, essa alternativa
impossibilita os tutores de colocá‐los como seus dependentes e com isso deduzirem suas
despesas legais, o que na prática representa um alto dispêndio.
Percebemos com isso que apesar de ser uma alterativa elisiva, data maxima venia, não elucida
a antinomia e individualmente poderá não ser a alternativa mais justa e rentável.
Por fim, a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada procedente e fixou a seguinte
tese: “É inconstitucional a incidência de imposto de renda sobre os alimentos ou pensões
alimentícias quando fundados no direito de família”, portanto, em síntese conclui‐se:
Antes do julgamento da ADI 5422
BASE DE CALCULO DO ALIMENTANTE
Possibilidade de dedução dos valores
pagos a títulos de pensão alimentícia
e consequentemente não há
tributação
BASE DE CALCULO DO ALIMENTADO
Obrigação de declarar e tributar o
IRPF sobre os valores recebidos a
título de pensão alimentícia
Depois do julgamento da ADI 5422
BASE DE CALCULO DO ALIMENTANTE
Possibilidade de dedução dos valores
pagos a títulos de pensão alimentícia
e consequentemente não há
tributação
BASE DE CALCULO DO ALIMENTADO
Obrigação de declarar os valores
recebidos a título de pensão
alimentícia, porém, como
rendimento não tributável
Do ponto de vista prático, aqueles(as) que recebem a alimentos ou pensão alimentícia não mais
tributarão o imposto de renda sobre esse valor, de pronto, vislumbramos a possibilidade de
restituições dos valores pagos anteriormente, entretanto, ainda é preciso aguardar as possíveis
modulações dos efeitos desta decisão. Atualmente, nada foi firmado acerca desse tema e a ação
segue aguardando seu trânsito em julgado ou possível embargos à declaração a ser proposto.